Capítulo 1
Eliseu Roberto de Andrade Alves
Geraldo da Silva e Souza
Daniela de Paula Rocha
Renner Marra
Sete fatos são considerados marcantes na evolução da agricultura brasileira: o sucesso do agronegócio, a concentração da renda bruta, a dominância da tecnologia, o esvaziamento dos campos, a inexpressividade recente do êxodo rural, a não remuneração dos fatores de produção e os milhões de produtores sem acesso à tecnologia.
Apesar de os fatos parecerem díspares, tecnologia é o fator determinante de cada um deles. Ou seja, é a modernização da agricultura que os unifica. A modernização da agricultura foi buscada pela política agrícola do pós-guerra. Do ponto de vista de aumento da produção, ela foi um sucesso. Do ponto de vista de inclusão dos pequenos agricultores, deixou muito a desejar. Essa inclusão é o grande desafio que a política agrícola terá de enfrentar. E inclusão hoje significa dar acesso à tecnologia aos excluídos da modernização. Acesso à terra, por si só, não solucionará o problema de pobreza e de concentração da renda nos campos.
As seções seguintes exploram os sete fatos acima descritos.
Espera-se que o agronegócio contribua em três frentes, a saber: gerar excedentes exportáveis, alimentar bem o povo brasileiro e gerar empregos.
O agronegócio gerou grande excedente exportável, que ajudou a pagar a maior parte da nossa dívida externa, trazendo-a para níveis baixos. Isso colocou o Brasil num nível muito seguro nas finanças internacionais.
A Tabela 1 examina, no período de 1989 a 2011, o saldo da balança comercial, qual seja, o resultado de exportações menos importações, para o agronegócio e para o Brasil. Nesse conceito, o saldo do agronegócio pode ser maior que o do Brasil, em vista das importações de cada parte. Isso ocorreu tipicamente de modo expressivo no período de 1994 a 2011, com exceção dos anos 2005 e 2006.
Tabela 1. Saldo da balança comercial, do Brasil e do agronegócio, no período de 1989 a 2011, em bilhões de dólares.
Ano |
Saldo da balança comercial (em US$ bilhões) |
|
Brasil |
Agronegócio |
|
1989 |
16.119,00 |
10.840,00 |
1990 |
10.752,00 |
9.806,00 |
1991 |
10.580,00 |
8.761,00 |
1992 |
15.239,00 |
11.492,00 |
1993 |
13.299,00 |
11.783,00 |
1994 |
10.466,00 |
13.427,00 |
1995 |
-3.466,00 |
12.258,00 |
1996 |
-5.599,00 |
12.206,00 |
1997 |
-6.765,00 |
15.173,00 |
1998 |
-6.624,00 |
13.505,00 |
1999 |
-1.289,00 |
14.800,00 |
2000 |
-0.732,00 |
14.838,00 |
2001 |
2.685,00 |
19.056,00 |
2002 |
13.196,00 |
20.391,00 |
2003 |
24.878,00 |
25.899,00 |
2004 |
33.842,00 |
34.198,00 |
2005 |
44.929,00 |
38.507,00 |
2006 |
46.457,00 |
42.769,00 |
2007 |
40.032,00 |
49.701,00 |
2008 |
24.957,00 |
59.987,00 |
2009 |
25.273,00 |
54.886,00 |
2010 |
20.147,00 |
63.051,00 |
2011 |
29.802,00 |
77.471,00 |
Fonte: Brasil (2012).
Além disso, o saldo do agronegócio foi sempre positivo, enquanto aquele do Brasil era negativo, no período de 1995 a 2000. Note-se ainda que, em comparação com o Brasil, o saldo do agronegócio tem-se tornado cada vez mais expressivo, como mostra a Tabela 1. E essa diferença vem-se ampliando desde 2007. Para realçar, em 2011, o saldo do agronegócio alcançou US$ 77.471,00 bilhões, contra US$ 29.802,00 bilhões do Brasil.
Comentários em artigos e entrevistas divulgadas na imprensa expressam preocupação com esses números, dando a entender que eles significam atraso, e não progresso, visto que somente em tecnologias rudimentares, baseadas em terra e trabalho pouco qualificado, cristalizam-se as exportações do agronegócio. Ora, terra e trabalho representam menos de 40% dos dispêndios por unidade de produto exportado. O restante são insumos da indústria. Ainda há o fato de que a produção de exportáveis implica o uso de insumos que cristalizam investimentos enormes em ciência e tecnologia, tanto em sementes quanto em máquinas e equipamentos, nos solos, em irrigação, etc. Note-se que os solos da agricultura são resultados de investimentos vultosos em calcário, fertilizantes e práticas conservacionistas.
A Figura 1 ilustra, de forma convincente, o fato de que cada vez mais o agronegócio é um importante gerador do saldo da balança comercial brasileira. Note-se que as duas curvas têm movimentos similares e, a partir de 2003, a do agronegócio separa-se da que representa o Brasil.
Figura 1. Saldo da balança comercial: total e do agronegócio (em US$ bilhões).
Fonte: Brasil (2012).
Como dito, o papel fundamental do agronegócio é alimentar bem o povo brasileiro. Como a cesta básica reflete as necessidades de consumo dos mais necessitados, ela será analisada.
Os preços da cesta básica da cidade de São Paulo foram detalhadamente estudados por Alves et al. (2010). A técnica estatística implicou ajustar pedaços de curva aos dados da série, por procedimento não linear. Recentemente, um novo modelo foi ajustado à série de dados que se acumularam para as capitais do Brasil, mês a mês. Para cada mês, somaram-se as observações disponíveis e obteve-se a média aritmética. No início da série, havia apenas informações sobre São Paulo. No final da série, em julho de 2012, havia dados mensais para 17 capitais. O modelo aderiu bem aos dados, como mostrado na Figura 21, para o período de janeiro de 1970 a julho de 2011.
Figura 2. Curva gerada pelo modelo (linha sólida) e pelas observações (linha azul). Período: de janeiro de 1970 a julho de 2012.
Fonte: dados de Dieese (2012b).
Deu-se um passo à frente para tentar explicar o movimento dos preços em comparação com o orçamento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Técnicas modernas de série temporal foram utilizadas. Encontrou-se uma defasagem de 3 anos2. Com essa defasagem, o coeficiente de correlação entre o logaritmo do orçamento da Embrapa e o logaritmo dos preços médios da cesta básica igualou-se a 0,96. Encontrou-se a elasticidade de longo prazo de -0,283. Assim, 10% de incremento do orçamento da Embrapa implica a queda de 2,83% no preço da cesta básica. Pela primeira vez mostrou-se, de forma direta, a importância da pesquisa na redução do preço da cesta básica.
Como os mais pobres consomem a maior parte da renda na compra de alimentos, a queda do preço da cesta básica é um fato auspicioso, que implica transferência de renda para os mais necessitados. O aumento de seu preço tem efeito contrário. Gera forte pressão por aumento de salários, agitação nas cidades, pressão inflacionária, greves e outros fatos, que demonstram a revolta da população contra os governantes. A Tabela 23 consolida, nas taxas de evolução do preço da cesta básica, o principal resultado da análise econométrica. Há três subperíodos principais: a) de janeiro de 1970 a janeiro de 1976, que corresponde a 72 meses, registrou-se uma taxa elevada de crescimento do preço da cesta básica; b) de fevereiro de 1976 a agosto de 2006, que corresponde a 367 meses, registrou-se queda da cesta básica; e c) um período que abrangeu vários eventos, como crise do petróleo, seca em regiões produtoras, produção de etanol de milho e forte demanda da Ásia, especialmente da China, fatos que desembocaram no período mais recente, de incremento do preço da cesta básica, com tendência a arrefecimento (Figura 2). O período de fevereiro de 1976 a julho de 2012 reúne o período de persistente queda com aquele de aumento, ao final da série. A queda dominou fortemente o aumento, a ponto de ter-se uma queda anual de 2,18% em todo o período. Analisam-se, a seguir, os três períodos principais.
Tabela 2. Taxas de variação do preço da cesta básica mensal, anual, e do período todo. No período de janeiro de 1970 a julho de 2012 e nos subperíodos.
Subperíodos/Período |
Número de meses |
Taxas de variação do preço |
||
Mensal (%) |
Anual (%) |
Período (%) |
||
De janeiro 1970 |
72 |
0,5435 |
6,5200 |
39,13 |
De fevereiro de 1976 |
367 |
-0,2604 |
-3,1248 |
-95,58 |
De setembro de 2006 |
71 |
0,2276 |
2,7312 |
16,16 |
De fevereiro de 1976 |
438 |
-0,1813 |
-2,1756 |
-79,42 |
De janeiro de 1970 |
511 |
-0,0790 |
-0,9480 |
-40,29 |
Fonte: dados de Dieese (2012b).
No período de 1950 a 1970, a agricultura foi fortemente discriminada. Imaginava-se que havia muita terra ociosa no Brasil. Sendo assim, a melhor opção era deixar a agricultura crescer por meio da incorporação de terra; concomitantemente, atingia-se outro objetivo, o de ocupar o território nacional. Nesse quadro, a agricultura não incomodava a política de industrialização na competição pela poupança nacional e pelos empréstimos internacionais.
Houve iniciativas exógenas, como a de Nelson Rockfeller, de implantar o modelo de extensão rural no Brasil, baseando-se na hipótese de que havia amplo estoque de tecnologias, armazenado nas gavetas dos pesquisadores. Portanto, o Brasil carecia de amplo e eficiente serviço de extensão. Essa hipótese fundamentou o desenvolvimento impressionante da extensão rural, inspirado no modelo americano. Para a conquista do território pela agricultura, os investimentos em estradas foram cruciais. Alguns estados, como São Paulo e Rio Grande do Sul, desenvolveram importantes ações para aumentar a produtividade da terra, sem impacto nacional.
Elevados preços internacionais de alimentos e rápida urbanização geraram forte pressão de demanda, que não foi respondida pela discriminada agricultura. Assim, os preços internos de alimentos subiram a taxas explosivas. No período de janeiro de 1970 a janeiro de 1976, o preço da cesta básica cresceu a uma taxa anual de 6,52% e, no subperíodo, de 39,13%. A agitação urbana mostrou sua presença. Filas para comprar alimentos tornaram-se frequentes nas principais cidades. Caracterizava-se, assim, na compreensão popular, um processo de desabastecimento.
Tudo isso ameaçou a estabilidade do governo militar. A resposta inicial do governo foi investir mais em extensão rural e em estradas, e ampliar o crédito rural, agora destinado à compra de insumos modernos e à de bens de capital, conectado com a expansão da agricultura e também com o aumento de sua produtividade.
Em 1971, criou-se um grupo de trabalho, liderado por José Pastore, professor da Universidade de São Paulo (USP), para investigar os motivos pelos quais a produtividade da agricultura não crescia, a despeito dos investimentos em extensão e crédito rural. A resposta do grupo, depois de 2 anos de pesquisa, indicou ser falsa a hipótese da existência de estoque de tecnologia nas gavetas dos pesquisadores. Na segunda metade de 1972, os resultados do trabalho do grupo foram comunicados ao ministro da Agricultura, Cirne Lima; e fazia-se a proposta de uma drástica reforma da pesquisa por parte do Departamento Nacional de Pesquisa Agropecuária (DNPEA), ligado ao Ministério da Agricultura. A proposta, que contou com forte apoio do ministro Delfim Netto, foi aceita. Assim, nasceu a Embrapa, produto da crise de abastecimento do começo da década de 1970.
Nesse subperíodo, reforçou-se a política de investimentos em extensão e crédito rural; e a de estoque regulador foi ampliada, bem como os investimentos em estradas. Mas a estrela da modernização da agricultura foi a pesquisa agropecuária, que sempre teve recursos abundantes para desenvolver seus programas, principalmente o de formação de recursos humanos e o de expansão, que ocupam hoje praticamente todo o território nacional. Também as universidades federais, e nelas a área de ciências agrárias, foram fortemente incentivadas, com destaque para o Estado de São Paulo. Os agricultores responderam aos incentivos. Em consequência, montou-se um poderoso complexo de apoio à agricultura, que respondeu pelo sucesso do agronegócio, o qual, por sua vez, venceu os desafios das exportações e do abastecimento de alimentos aos brasileiros.
O subperíodo corresponde a 367 meses. Nele, a queda anual do preço da cesta básica equivaleu ao impressionante valor de 3,12% (-3,12%). No subperíodo, houve 95,58% de queda (-95,58%). Os grandes beneficiados foram os consumidores mais pobres. Sem essa queda, os programas de transferência de renda não teriam sido bem-sucedidos.
Principais fatos do subperíodo:
Esses fatos induziram o incremento dos preços internacionais de alimentos, com reflexos diretos no Brasil. A oferta brasileira respondeu, e o Brasil tem tirado proveito dos preços elevados, aumentando substancialmente as exportações (Tabela 1 e Figura 1).
O governo optou pela política correta, não apondo restrições às exportações. Se a opção fosse restringir as exportações, quebrar-se-ia o vínculo entre os preços externos e os internos, com enorme custo para o Brasil. A título de exemplo, recorde-se o que tem acontecido com nossos vizinhos e o que ocorreu com o Brasil no passado, quando, então, o comércio externo não era livre.
Como não foi cortado corretamente o vínculo dos preços externos de alimentos com os internos, os preços internos subiram no período e refletiram-se na cesta básica. O preço da cesta básica, nos 71 meses do período, cresceu a uma taxa anual de 2,73%, sendo que o subperíodo correspondeu a 16,16%. Como já se afirmou, o final da curva mostra sinais de estabilização. Contribuíram para isso a crise que assola a Europa, que reduz a demanda por alimentos, e a resposta a preços da agricultura brasileira.
A agricultura brasileira construiu uma grande capacidade de resposta. Sem empecilhos, tem condições de responder aos desafios da demanda. Os dados recentes da cesta básica são um alerta para as autoridades brasileiras, no sentido de que a agricultura moderna é muito sensível a preços e à estabilidade macroeconômica. Conhecimentos e tecnologia lastreiam-na de ponta a ponta. É importante, portanto, conhecer os fatores que restringem a resposta da agricultura a preços – e destacam-se os preços de fertilizantes e aqueles administrados pelo governo, como energia. A sociedade acordou para a inclusão social. O incremento do preço da cesta básica pode pôr a perder tudo o que se conseguiu, final trágico, que ninguém deseja. Numa quadra dessas, o correto é incentivar a agricultura, tirar proveito de sua imensa base tecnológica para ampliar as exportações, acumular divisas e estabilizar os preços internos. E nunca esquecer que ciência e tecnologia fundamentam a agricultura.
Em nível de porteira, o emprego cresceu de 1970 a 1985, quando atingiu o máximo; depois desse período, caiu acentuadamente, conforme apresentado na Figura 3. Percebe-se que a agricultura emprega menos em 2006 do que em 1970: 16,6 milhões em 2006, contra 17,6 milhões em 1970.
Figura 3. Pessoal ocupado pela agricultura brasileira.
Fonte: Estatísticas... (2007).
Conforme será mostrado, a população rural cresceu até 1970, quando atingiu o máximo; daí em diante, caiu persistentemente. Quanto ao pessoal ocupado na população rural, houve dois períodos. No primeiro deles, de 1970 a 1985, a população rural decresceu, quando a agricultura persistia em ocupar mais gente. No segundo período, de 1985 a 2006, houve quebra de paradigma. A partir de 1985, caem simultaneamente o nível de ocupação e a população rural. A interpretação aponta para o fato de que, no primeiro período, a população urbana contribuiu para a oferta de emprego no meio rural, mantendo o nível e seu crescimento. Com a expansão da demanda de trabalho no meio urbano e com a perda do hábito do trabalho rural, e até mesmo em virtude da falta de treinamento, os habitantes do campo optaram pelas cidades, e, assim, a ocupação rural caiu de forma intensa (Figura 3). Dessa forma, o País caminhou para uma agricultura que muito pouco emprega em nível de porteira do estabelecimento.
Há, porém, um campo vastíssimo de trabalho ligado diretamente à agricultura, tanto antes da porteira quanto dentro dela e depois dela. Computando o espectro todo, segundo Abreu (2012), o agronegócio foi responsável, em 2011, por 36% dos empregos.
Quando se indaga que elemento explica o crescimento da agricultura – se seria a terra ou a tecnologia –, a resposta é que tecnologia passou a ter um efeito dominante. Há três caminhos para evidenciar esse fato, a seguir discutidos.
Com base nos dados dos censos agropecuários de 1995–1996 e de 2006, estimou-se a fronteira de produção que se ajustou bem aos dados: o coeficiente de correlação entre os valores preditos e os observados igualou-se a 93,6%. A renda bruta foi variável endógena. Como variáveis exógenas, usaram-se a terra, o trabalho e insumos tecnológicos. Ademais, os sinais dos coeficientes das variáveis exógenas conformaram-se àqueles esperados e foram estatisticamente significantes. Detalhes estão no Capítulo 2. Na Tabela 34, verifica-se como a terra, o trabalho e a tecnologia explicam o crescimento da produção.
Tabela 3. Como o trabalho, a terra e a tecnologia explicam o crescimento da produção.
Variável |
Participação no crescimento da produção |
|||
1995–1996 |
2006 |
|||
Coeficiente |
% |
Coeficiente |
% |
|
Trabalho |
0,26 |
31,3 |
0,21 |
22,3 |
Terra |
0,15 |
18,1 |
0,09 |
9,6 |
Tecnologia |
0,42 |
50,6 |
0,64 |
68,1 |
Total |
0,83 |
100,0 |
0,94 |
100,0 |
Pela análise da tabela, ressaltam-se os seguintes fatos:
Com o objetivo de estimar a produtividade total de fatores, Gasques et al. (2012) construíram, rigorosamente, a série de dados que cobrem o período de 1975 a 2011 (essa série de dados foi revista por esses autores em outubro de 2012). Baseando-se nessa série, construiu-se a Figura 4. Observe-se que o índice terra não apresentou crescimento, permanecendo estacionário. O índice de produto teve crescimento expressivo, seguido de perto pelo rendimento. Por esses dados, a terra não explicou o crescimento da produção, e sim os rendimentos. Portanto, a tecnologia fundamenta o crescimento da agricultura. Os autores mostraram expressivo crescimento da produtividade total dos fatores, que representa o quanto o crescimento dos produtos excedeu o crescimento dos insumos. Considerando-se os fatores terra, trabalho e capital, somente o capital teve crescimento mais destacado. A produtividade total dos fatores representa a parcela dos novos conhecimentos não cristalizada nos insumos. Assim, o crescimento da agricultura brasileira caracteriza-se por poupar recursos naturais e também por poupar trabalho, confirmando a ideia de que a agricultura nacional mecaniza-se.
Figura 4. Evolução dos índices de produto, terra e rendimento.
Fonte: Gasques et al. (2012).
Dado que a tecnologia é dominante em relação ao trabalho para explicar o crescimento da renda bruta, seriam esperados índices de desigualdade de renda semelhantes nos grupos de estabelecimentos com mais de 100 ha e com 100 ha ou menos. De fato, isso ocorreu. Para a classe de 100 ha ou menos, o índice de Gini igualou-se a 0,85; e para aquela de mais de 100 ha, esse índice equivaleu a 0,87. O máximo do índice de Gini é 1 para a maior desigualdade, e o mínimo é 0, a menor. Assim, a desigualdade da renda bruta é muito elevada para ambas as classes (Tabela 4).
Tabela 4. Distribuição dos estabelecimentos do censo agropecuário 2006 em duas classes de área, em hectares, e respectivos índices de Gini, estimados com base nos dados dos estabelecimentos para a renda bruta.
Classes de área |
Frequência |
% |
Índice de Gini |
≤ 100 ha |
4.014.477 |
91,2 |
0,85 |
Com mais de 100 ha |
386.050 |
8,8 |
0,87 |
Total |
4.400.527 |
100,0 |
- |
Fonte: Alves et al. (2011).
A terra, considerando-se as duas classes de área, não explicou a desigualdade da renda bruta, como se esperava. Como o elemento que faz a renda bruta crescer é a tecnologia, ela tem a ver com os índices elevados de Gini para as duas classes.
Os dados são do censo agropecuário de 20065. Referem-se aos estabelecimentos que declararam renda bruta, além de informarem a área explorada (ALVES et al., 2012). Os estabelecimentos foram agrupados em quatro classes de renda bruta, em termos de salário mínimo mensal de 2006 (R$ 300,00), a saber: (0,2], (2,10], (10,200] e mais de 200 salários mínimos mensais (> 200).
Analisando os dados da Tabela 5, destacam-se as duas classes extremas: (0,2] salário mínimo mensal e mais de 200 salários mínimos mensais. Na classe de mais de 200 salários mínimos, os 27.306 estabelecimentos, que representam apenas 0,62% do número total, geraram 51,19% da renda bruta. Ou seja, 53.343 estabelecimentos iguais a esses teriam gerado toda a renda bruta reportada pelo censo (ALVES et al., 2012). Assim, poucos estabelecimentos produziram cerca da metade de toda a produção. Enorme é a concentração da renda bruta! Cada estabelecimento dessa classe alcançou uma renda bruta de 861,91 salários mínimos mensais. Considerando-se uma média de três adultos por estabelecimento, a renda bruta mensal por pessoa igualou-se a 287,30 salários mínimos mensais.
No extremo de renda bruta mais baixa, classe de (0,2] salário mínimo mensal, estão 2.904.769 estabelecimentos, 66,01% do total, que somente geraram 3,27% da renda bruta reportada no censo agropecuário de 2006. E isso correspondeu, por mês, a 0,52 salário mínimo. Ou seja, uma média de 0,17 salário mínimo por mês, por habitante adulto (Tabela 5). Em resumo, a grande maioria dos estabelecimentos dessa classe muito pouco produziu, e a renda bruta deles, sem nenhum desconto de custo, é bastante insatisfatória. Pertencem ao nível de pobreza absoluta. Para sobreviverem, seus habitantes precisam trabalhar fora e obter complemento via transferência de renda. A agricultura, por si só, não pode criar condições de resolver o problema de pobreza. A população que habita esse grupo de estabelecimentos é forte candidata ao êxodo rural.
A classe (10,200] contém 472.702 estabelecimentos, 10,74% do total, e foi responsável por 35,46% da renda bruta total. Por mês, cada estabelecimento gerou uma média de 34,49 salários mínimos mensais de renda bruta e, por pessoa adulta, 11,5 salários mínimos mensais. No conceito de renda bruta, tem-se aí a classe média (Tabela 5).
Tabela 5. Classes de renda bruta, número de estabelecimentos (est) e renda bruta (rb) por estabelecimento, em salário mínimo mensal (slm).
Classes de renda bruta por salário mínimo mensal |
Número de |
% |
Distribuição da renda bruta (%) |
Renda bruta mensal por estabelecimento (em slm) |
(0 a 2] |
2.904.769 |
66,01 |
3,27 |
0,52 |
(2 a 10] |
995.750 |
22,63 |
10,08 |
4,66 |
(10 a 200] |
472.702 |
10,74 |
35,46 |
34,49 |
> 200 |
27.306 |
0,62 |
51,19 |
861,91 |
Total |
4.400.527 |
100,00 |
100,00 |
10,45 |
Valor do salário mínimo mensal = R$ 300,00.
Fonte: microdados fornecidos pelo IBGE em 2012.
Com mais de 10 salários mínimos mensais, há, portanto, 500.008 estabelecimentos, 11,36% do total, os quais geraram 86,65% da renda bruta. Eles são o fundamento do agronegócio. Têm condições de andar por conta própria e em igualdade de competição com o mundo desenvolvido. E são capazes de internalizar, nos seus negócios, os conhecimentos gerados pela ciência, no Brasil e no exterior, com a ajuda da assistência técnica, particular ou pública.
Na classe de (2,10] salários mínimos mensais, há 995.750 estabelecimentos, 22,63% do total. Geraram 10,08% da renda bruta de 2006. Por mês, cada estabelecimento alcançou uma renda bruta média de 4,66 salários mínimos mensais e, assim, cada adulto contribuiu, em média, com 1,55 salário mínimo mensal de renda bruta, sem qualquer desconto de custo de produção. O grupo escapa à pobreza absoluta, mas é pobre. A agricultura, desde que bem assistida, pode resolver o problema da pobreza.
Em resumo, constatou-se enorme concentração da renda bruta, já que apenas 11,34% dos estabelecimentos geraram 86,65% da renda bruta. E 88,66% deles, a imensa maioria, contribuíram apenas com 13,35%. Na classe de (0,2] salário mínimo mensal, há 2,9 milhões de estabelecimentos (66,01% de todos os estabelecimentos), os quais geraram apenas 3,27% da renda bruta. Além disso, cada estabelecimento produziu, por mês, em salário mínimo, 0,52. Por pessoa adulta, 0,17. Pobreza absoluta. Estimam-se três habitantes por estabelecimento. Se assim for, há 17,4 milhões de pessoas nessa condição de pobreza. São fortes candidatos ao êxodo rural. Pela agricultura, tão somente, há poucas esperanças de se resolver o seu problema de pobreza. Não há como fugir de políticas de transferência de renda, e é preciso facilitar o emprego fora do estabelecimento e o crescimento da agricultura.
É importante indagar: onde vive esse grupo de baixa renda? Basicamente no Nordeste: 57,2% dos estabelecimentos da classe (0,2] (Tabela 6). Assim, a pobreza rural, em nível de estabelecimento, é nordestina, o que complica a solução do problema pelo meio rural. É que lá as restrições climáticas são mais severas.
Tabela 6. Distribuição dos estabelecimentos da classe (0,2] em salário mínimo mensal, por região, em %.
Região |
Distribuição dos estabelecimentos (%) |
Norte |
9,4 |
Nordeste |
57,2 |
Centro-Oeste |
5,7 |
Sudeste |
15,1 |
Sul |
12,6 |
Fonte: microdados fornecidos pelo IBGE em 2012.
Pelo censo demográfico de 2010, dos 191 milhões de brasileiros, somente 30 milhões moravam no meio rural, ou seja, 15,7%. As regiões tiveram comportamento semelhante quanto à perda de população rural, com a exceção do Norte e do Nordeste, sendo que a região Norte sempre teve um meio rural despovoado. Em 2010, 47,8% da população rural brasileira residia no Nordeste. E, nessa época, a população rural nordestina equivalia a 2,5 vezes à do Sudeste, a segunda região mais rural. Além do mais, ela é muito pobre, quando comparada com a população de outras regiões (Tabela 7).
Tabela 7. Distribuição da população rural pelas regiões e renda anual bruta por estabelecimento.
Região |
Distribuição da população rural(1) |
Renda anual bruta por estabelecimento(2) |
|
Número |
% |
||
Norte |
4.202.494 |
14,1 |
20.199,13 |
Nordeste |
14.261.242 |
47,8 |
12.367,08 |
Centro-Oeste |
1.570.468 |
5,2 |
91.177,27 |
Sudeste |
5.691.847 |
19,1 |
58.033,84 |
Sul |
4.126.935 |
13,8 |
43.991,28 |
Brasil |
29.852.986 |
100,0 |
32.199,13 |
Fonte: (1)Censo Demográfico 2010 e (2)Censo Agropecuário 2006 (IBGE, 2012a).
O êxodo rural nordestino não foi capaz de esvaziar o seu meio rural, como ocorreu nas demais regiões. Como a renda rural comparada com a urbana e o tamanho da população rural determinam a intensidade e o montante do êxodo rural, o Nordeste rural terá papel importante na migração brasileira na direção das cidades. Nas políticas que têm por objetivo manter a população rural nos campos e combater a pobreza absoluta, aquela região merece consideração especial, pelo tamanho da população rural e pela insuficiente renda bruta por estabelecimento. Nesse aspecto, as demais regiões não causam maiores preocupações.
Embora muito pobre e numerosa, a população rural nordestina migrou muito menos que a do Sul, a do Sudeste e a do Centro-Oeste. O mercado urbano que cerca o seu meio rural oferece menos oportunidades de trabalho, quando comparado com o das três regiões citadas; e a migração de longa distância, além de oferecer muitas dificuldades, exige recursos para financiá-la, o que a população rural de lá não tem. Por isso, o êxodo rural não teve a dimensão necessária para esvaziar os campos nordestinos como fez no resto do Brasil. Contudo, como será mostrado, ele ganha intensidade.
O êxodo rural é uma demonstração cabal de que o meio rural não consegue competir com as cidades em termos de oferecer condições de bem-estar equivalentes para sua população. Pode ocorrer que a população que se urbanizou continue ofertando trabalho ao meio rural. Nesse caso, a pressão sobre salários rurais é amenizada. A população urbanizada pode, porém, deixar de considerar o meio rural como opção de trabalho, como ocorre atualmente. Sendo assim, haverá pressão por salários mais elevados. A razão disso é o pequeno tamanho da população rural, quando comparado com a pujança da agricultura. E isso é mais crítico no Centro-Oeste, que tem pequena população rural e agricultura próspera, conforme se vê pela Tabela 7.
De 1940 a 1970, a população rural cresceu de 28,4 milhões para 41,6 milhões, valor máximo do período 1940–2010. De 1970 em diante, decresceu acentuadamente, e, em 2010, alcançou o valor de 29,8 milhões. No período de queda da população rural, de 1970 a 2010, o emprego rural, medido pelo número de pessoas ocupadas, cresceu até 1985 para, acentuadamente, decrescer até 2006, último ano para o qual há dados (Figura 4). Observa-se, na Figura 5, que retrata a evolução da população rural, que a população rural em 2010 está praticamente no mesmo nível da população rural de 1940.
Figura 5. População rural, em milhões de habitantes, conforme os censos do IBGE, de 1940 a 2010.
Fonte: IBGE (2012b).
Nas condições vigentes no Brasil, o meio rural tem de pagar salários mais elevados que o meio urbano, para atrair trabalhadores. A alternativa a isso é intensificar a mecanização, o que leva tempo para provocar impacto sobre os salários.
Uma das condições para libertar o meio rural do atraso secular é a mão de obra passar a ter custo de oportunidade claramente percebido por quem emprega e por quem demanda trabalho. Como já se chegou a essa encruzilhada, rompeu-se a barreira do ponto de virada de Lewis (Lewis turning point). Sendo assim, a eficiência passa a ser o critério de administração de todos os fatores de produção; e a tecnologia, a saída para combater pressões sobre o custo de produção e vencer a competição (LEWIS, 1954).
Mediu-se o volume do êxodo e a sua intensidade. O volume é estimado pela Equação 1, em que
M é o número de migrantes do período, em geral, por década, exceto a de 1980–1991, de 11 anos; e de 1991–2000, de 9 anos.
A0 é a população rural do início do período.
As taxas instantâneas de crescimento da população rural e da população total são dadas por a e b.
r é o número de anos do período.
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(1) |
Os resultados da aplicação da fórmula estão na Tabela 8, em milhões de migrantes. Foi também estimada a intensidade do êxodo rural, que é o número de migrantes do período dividido pela população rural do ano-base. Assim, no período 1950–1960, dividiu-se 5,4 pela população rural de 1950. Os dados estão em porcentagem. Evidentemente, a região pode ganhar e perder população. Quando ganhou população, o número está entre parêntesis, conforme Tabela 9. Quando perdeu população para as cidades, não há parêntesis.
Tabela 8. Êxodo rural, em milhões de pessoas, por período, e número de migrantes em relação à população do ano-base do período (intensidade), em %, Brasil.
Período |
Êxodo rural |
|
Número de pessoas (em milhões) |
Intensidade (%) |
|
1950–1960 |
5,4 |
16,3 |
1960–1970 |
8,9 |
22,8 |
1970–1980 |
12,5 |
30,0 |
1990–1991 |
10,3 |
26,4 |
1991–2000 |
9,1 |
25,2 |
2000–2010 |
5,6 |
17,6 |
Fonte: adaptada de Alves et al. (2011).
Tabela 9. Intensidade do êxodo rural: número de migrantes do período em relação à população do ano-base, em %.
Período |
Intensidade do êxodo rural (%) |
||||
Norte |
Nordeste |
Centro-Oeste |
Sudeste |
Sul |
|
1950–1960 |
4,8 |
21,5 |
(21,5) |
21,1 |
19,0 |
1960–1970 |
5,1 |
17,3 |
(1,6) |
43,2 |
7,4 |
1970–1980 |
(10,6) |
20,8 |
33,2 |
40,4 |
43,9 |
1990–1991 |
(6,5) |
23,1 |
32,0 |
34,4 |
38,0 |
1991–2000 |
23,7 |
25,2 |
26,0 |
22,4 |
29,6 |
2000–2010 |
4,2 |
15,0 |
10,0 |
27,8 |
24,6 |
Nota: quando o meio rural ganhou população, o número está entre parêntesis; quando perdeu população para as cidades, não há parêntesis.
Fonte: adaptada de Alves et al. (2011).
O êxodo rural seguiu o mesmo caminho da industrialização. Ou seja, respondeu à demanda das cidades que prosperaram com a indústria. Em 1970–1980, 30% da população rural de 1970 migrou para as cidades, o que correspondeu a 12,5 milhões de pessoas – o tamanho de uma megalópole. Já em 1950–1960, a migração rural foi bem expressiva, comparada com a população rural de 1950 – 16,3%. Intensificou-se nos períodos seguintes e atingiu o pico em 1970–1980. O êxodo permaneceu elevado nos dois períodos seguintes – 1980–1991 e 1991–2000 –, ainda na vigência das políticas de industrialização. Em volume, desacelerou em 2000–2010, quando 5,6 milhões de pessoas migraram da roça para a cidade. Mas a intensidade ainda equivaleu à da década de 1950 – 17,6% – em comparação com 17,3%. Elevada, portanto. (ALVES, 2006)
Quando se fala de região, o método de cálculo é menos preciso porque pode haver migração do meio rural de uma região para o de outra região, o que ocorreu com as regiões Norte e Centro-Oeste, que receberam grande influxo de população no seu meio rural nas décadas de 1970 e 1980. Assim, nesses casos, quando o meio rural daquelas regiões ganhou população, isso não significou retorno da cidade para a roça. Por essa razão, observa-se um padrão errático na região Norte, objeto de política econômica contraditória do governo federal, para favorecer o povoamento de seu meio rural: ora a favor, ora contra. Também o Centro-Oeste recebeu a mesma atenção nos dois períodos (décadas de 1970 e 1980), com a construção de Brasília.
Cabem aqui as seguintes observações:
O segundo padrão está no Sudeste e no Sul, regiões que têm renda por estabelecimento muito mais elevada que as duas regiões mencionadas, e muito menor parcela dos estabelecimentos da classe (0,2] (Tabelas 6 e 7). Essas regiões têm um meio urbano rico e dinâmico, capaz de atrair a população rural, mesmo na presença de pequena população rural. Isso explica a elevada intensidade de seus êxodos rurais, inclusive no último período, 2000–2010. Assim, é a atração das cidades que explica a migração do campo para a cidade nessas duas regiões.
Como foi estimada a contribuição do êxodo para o crescimento da população urbana para cada período? Suponha-se que seja o período 1950–1960. Considerou-se a população urbana de 1950 e a taxa de crescimento da população total. Deixou-se a população urbana crescer a essa taxa, acumulando-se, ano a ano, até 1959, inclusive. Ao total obtido, acresceu-se o êxodo estimado, M, do período – designe-se esse total por U50. Então, dividiu-se o número de migrantes do período por esse total (U50). Como foi obtido o erro de previsão? Usou-se a equação 2, cujos resultados estão na Tabela 10.
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(2) |
Tabela 10. Contribuição do êxodo para o crescimento da população urbana no Brasil, e erro de previsão de urbanização em relação à observada.
Período |
Contribuição do êxodo (%) |
Erro de previsão (%) |
1950–1960 |
17,4 |
2,86 |
1960–1970 |
17,2 |
2,62 |
1970–1980 |
15,6 |
2,08 |
1980–1991 |
9,4 |
0,97 |
1991–2000 |
6,6 |
0,51 |
2000–2010 |
3,5 |
0,22 |
Fonte: Alves et al. (2011).
No período 1950–1980, a contribuição do êxodo rural foi muito expressiva. Para os dois primeiros períodos, em torno de 17%. E, para 1970–1980, em torno de 16%. Depois desses períodos, começou a cair, pela seguinte razão: a população urbana ficou muito grande, enquanto a rural, pequena. O valor mínimo ocorreu no período 2000–2010, quando o êxodo rural somente explicou 3,5% do crescimento da população urbana. Assim, a menos que haja fatores que exacerbem o êxodo rural, ele deixou de ser importante para o crescimento das cidades. E os fatores de exacerbação precisam ocorrer no Nordeste, que é a região que tem estoque de população rural capaz de impactar a migração na direção das cidades. Observe-se serem pequenos os erros de previsão, o que demonstra o acerto da fórmula que calculou M.
Para sobreviver, os estabelecimentos precisam remunerar todos os fatores de produção. No curso de um ano, é natural que alguns falhem, mas nunca a maioria. Alves et al. (2012) estudaram, detalhadamente, os dados do censo agropecuário de 2006. Em primeiro lugar, classificaram os estabelecimentos em classes de salário mínimo de 2006: (0,2], (0,10], (10,200] e mais de 200 salários mínimos, conforme se vê na Tabela 5. Para cada classe, se o estabelecimento pagou todos os custos, ele foi classificado como renda líquida não negativa, rl ≥ 0 ; caso contrário, rl < 0, conforme Tabela 11.
Tabela 11. Classes de renda bruta em salário mínimo (slm) e de renda líquida (rl) por classe de renda bruta, e número de estabelecimentos por classe.
Classes de renda por |
rl ≥ 0 |
rl < 0 |
Total |
||
Nº de estabelecimentos |
% |
Nº de estabelecimentos |
% |
||
(0,2] |
1.010.785 |
34,80 |
1.893.984 |
65,20 |
2.904.769 |
(2,10] |
586.792 |
58,93 |
408.958 |
41,07 |
995.750 |
(10,200] |
332.069 |
70,25 |
140.633 |
29,75 |
472.702 |
Mais de 200 |
22.239 |
81,44 |
5.067 |
18,56 |
27.306 |
Total |
1.951.885 |
44,36 |
2.448.642 |
55,64 |
4.400.527 |
Fonte: adaptada de Alves et al. (2012).
Alves et al. (2012, p. 52) chegaram às seguintes conclusões:
Cabe ressaltar mais uma vez que os estabelecimentos que deixaram de remunerar todos os fatores de produção têm mais terra; além disso, têm maior patrimônio e muito menor produtividade da terra e de todos os fatores de produção. Assim, não souberam administrar nem o patrimônio que comandam, nem a tecnologia.
Ressalte-se que a tecnologia domina a expansão da produção agrícola. Ela está na base do sucesso dos 500 mil estabelecimentos que responderam pelos 87% do valor da produção de 2006. Sem a tecnificação da agricultura dos excluídos da modernização tecnológica, não existe esperança de solução do problema de pobreza pela agricultura. Distribuir terra sem ter as condições necessárias para a adoção de tecnologia somente agravará o problema de pobreza nos campos, que é avassaladora, conforme indica a Tabela 5. Ressalte-se a parcela significante do grupo mais pobre, que exige políticas de transferência de renda, além daquela que visa tecnificar sua agricultura, se um dos objetivos das políticas públicas for retê-la no meio rural.
Pela Tabela 5, percebe-se que há 4,4 milhões de estabelecimentos que declararam renda bruta, ou seja, que produziram alguma coisa com a venda da produção, o autoconsumo ou a indústria caseira. Desses, 500 mil produziram 86,7% de toda a renda bruta do censo agropecuário de 2006. Por estabelecimento e por mês, em salários mínimos de 2006, isso é equivalente a 79,68. Considerando-se três adultos por estabelecimento, tem-se 26,56 salários mínimos por adulto e por mês. Em suma, requerem política agrícola semelhante à dos países avançados. São capazes de caminhar por conta própria e em de condições competitivas com o mercado externo.
O restante dos estabelecimentos corresponde a 3,9 milhões. Produziram apenas 13,3% da renda bruta de 2006. Por estabelecimento e por mês, e medida a renda bruta em salário mínimo de 2006, tem-se 1,58. Ou seja, 0,53 salário mínimo por adulto. Note-se que se trata de renda bruta; portanto, sem nenhum desconto de custo de produção. Nesse grupo (0,10] estão 2,9 milhões de estabelecimentos, com a produção de 3,3% da renda bruta de 2006. Cada estabelecimento recebeu por mês 0,52 salário mínimo, o que corresponde a 0,17 salário mínimo por adulto – pobreza absoluta, portanto.
Mesmo nessa condição de pobreza, no grupo (0,10] há 1,6 milhão de estabelecimentos que pagaram todos os custos de produção, sendo que 1 milhão está no grupo mais pobre das duas classes de salário mínimo, o grupo (0 2]. Sendo assim, essa parcela do grupo (0,10] tem condições de resolver seu problema de pobreza pelo exercício da agricultura. Restam, portanto, 2,3 milhões de estabelecimentos. Eles são o grande desafio para as políticas públicas, ainda mais que a maioria deles é nordestina, e, por isso, eles podem enfrentar restrições climáticas mais severas, além daquelas com origem nos mercados e na tecnologia. Políticas de transferência de renda terão de ser usadas para retê-los na área rural e lhes dar um padrão de vida tolerável. É importante investigar, nesse grupo (0,2], quando a solução agrícola poderá complementar as políticas de transferência de renda.
Em resumo:
A tecnologia impulsionou o agronegócio, sendo o principal elemento responsável pelo seu sucesso. Ela teve um forte impacto sobre o abastecimento do mercado doméstico e as exportações. Pagou grande parte da dívida externa brasileira.
A queda dos preços da cesta básica beneficiou todos os consumidores, especialmente os mais pobres. A partir de 2000, esses preços começaram a subir. Há sinais de perda de ímpeto e indicação de estabilização. No entanto, a política econômica precisa remover as restrições ao crescimento da oferta agrícola. O crescimento dos preços dos fertilizantes é a restrição mais notória.
Tecnologia explica o crescimento da produção. Como 500 mil estabelecimentos produziram 87% da produção de 2006, e considerando que 3,9 milhões deles tiveram insignificante participação, segue-se que pequena parcela dos agricultores foi capaz de se beneficiar da modernização da agricultura, enquanto a grande maioria ficou à margem. Confirma-se, assim, que é a tecnologia que explica a concentração da produção.
A solução agrícola para o problema de pobreza da agricultura requer que a tecnologia seja também o carro-chefe da modernização da agricultura pobre e da agricultura familiar. Aí está o problema de difusão de tecnologia no Brasil. No caso dos 500 mil produtores, a difusão de tecnologia foi um sucesso. Esse grupo tem condições de transformar conhecimentos em sistemas de produção lucrativos, de financiar a compra de insumos e de bens de capital, e de vender bem a produção nos mercados interno e externo. É, portanto, imperativo dar condições semelhantes àqueles que estão à margem do progresso. Aí está o grande desafio da nossa política agrícola, do tamanho de 3,9 milhões de estabelecimentos!
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