Prefácio

[...] qualquer coisa verdadeira para E. coli deve também ser verdadeira para o elefante1 (MONOD; JACOB, 1961, p. 393).

O início de século XXI tem sido, sem dúvida, marcante para o conhecimento evolutivo, pelo destaque nas celebrações do legado a nós deixado por Charles Darwin. Em 1º de julho de 2008, comemoramos 150 anos da publicação, pela Sociedade Linneana de Londres, do artigo intitulado On the tendency of species to form varieties and on the perpetuation of varieties and species by natural means of selection2, de autoria de Charles Robert Darwin e Alfred Russel Wallace. Com essa publicação, em 1858 foram apresentadas à comunidade científica as raízes da teoria da evolução.

O mundo inteiro celebrou, no dia 12 de fevereiro de 2009, os 200 anos de nascimento de Charles Darwin e, em 24 de novembro de 2009, os 150 anos da publicação do influente livro On the origin of species by means of natural selection, or the preservation of favoured races in the struggle for life3, de sua autoria. É tempo de reverenciar o gênio e enaltecer o legado de Darwin.

Tal legado é fenomenal. A sua teoria da evolução, por exemplo, foi descrita pelo proeminente ecologista inglês Richard Dawkins como a mais importante ideia que ocorreu à mente de um homem. O conceito da evolução biológica é uma das mais importantes ideias geradas pela aplicação da metodologia científica ao mundo natural. “Nada na biologia faz sentido exceto sob a luz da evolução”4 – essa declaração feita pelo renomado geneticista ucraniano Theodosius Dobzhansky (1964, p. 449) também destaca a importância da teoria da evolução como o pilar central para o entendimento do mundo natural.

A evolução é o caminho. As ideias de Darwin inspiraram, nesses últimos 150 anos, o pensamento científico e da humanidade. O conhecimento sobre a evolução da vida na Terra encontra-se no âmago das pesquisas relacionadas às áreas de genética, bioquímica, biotecnologia, neurobiologia, ecologia, morfologia, botânica, zoologia, fisiologia, antropologia, psicologia e, até mesmo, inteligência artificial. A revolução darwiniana é, portanto, considerada, por muitos, um dos mais importantes eventos em toda a história do intelecto humano.

Evolução é a verdade. Hoje, a ciência considera a existência da evolução como um dos mais consagrados fatos científicos em razão do enorme número de indícios que a comprovam. Evolução é fato. As evidências encontram-se estampadas nos registros fósseis, na distribuição geográfica das espécies, na proximidade genômica entre organismos, nas estruturas e nos padrões de comportamento comuns entre espécies diferentes, nas semelhanças existentes com os processos de domesticação de espécies de plantas e animais, na capacidade de adaptação, bem como nas semelhanças no desenvolvimento dos organismos.

Evolução é a vida. Apenas a evolução nos apresenta um contexto coerente para explicar a surpreendente diversidade e a extrema complexidade da vida em nosso planeta. Sob sua ótica, é possível reconhecer a universalidade da vida na Terra – descendemos todos de um ancestral comum – e as similaridades genéticas, morfológicas e ecológicas entre diferentes organismos. Essas semelhanças genéticas indicam um passado de ligação entre espécies que hoje são muito diferentes. Ela também reconhece as similaridades entre o homem e seus parentes mais próximos – os outros primatas. Toda a vida na Terra está interligada, cada espécie é um mero graveto na árvore da vida.

O legado de Darwin se disseminou por diversas ciências. A agricultura também se beneficiou do conhecimento evolutivo. A evolução orientou o conhecimento para a descoberta de novas possibilidades e melhor controle de pragas na agricultura, para a compreensão das relações entre plantas e animais domésticos com seus parentes selvagens e para o desenvolvimento de tecnologias que visam ao melhoramento tanto das plantas como dos animais. A sustentabilidade da produção agrícola pode ter suas bases também no conhecimento evolutivo, considerando que muitos desafios e problemas da produção agrícola intensiva, como a proliferação de doenças e patógenos, podem ser compreendidos e solucionados sob sua ótica.

Nesse contexto, a Embrapa deve reverenciar o legado deixado por Darwin. Afinal, parafraseando Dobzhansky, nada faz sentido na pesquisa da Embrapa se não for sob a luz da evolução. Para tanto, buscamos contribuir com a publicação deste livro esclarecedor sobre a teoria da evolução e o legado de Darwin.

O primeiro capítulo do livro – O legado de Darwin e a pesquisa agropecuária –apresenta a vida de Darwin, a história da publicação de sua influente teoria e a controvérsia político-religiosa da evolução e do criacionismo. Também mostra que, infelizmente, a ciência não alcança todas as camadas da sociedade da mesma forma. Ainda que a ciência consagre a teoria da evolução como fato, ela continua sendo incompreendida ou desconhecida por uma parcela significativa da população. Em continuidade à construção da teoria da evolução por Darwin e Wallace, o segundo capítulo apresenta um histórico sobre o desenvolvimento do conhecimento evolutivo. Discorre sobre os pensamentos evolutivos desde a Grécia antiga, passando pelos pensadores muçulmanos e cristãos, por Lamarck, até chegar aos dois renomados biólogos. Ainda apresenta as novas descobertas e o desenvolvimento do conhecimento evolutivo pós-Darwin. Mostra, também, que foram necessários dez anos para que a teoria da evolução fosse plenamente aceita pela ciência. E mais de 100 anos para a aceitação da seleção natural como um dos seus principais mecanismos.

Após esses dois capítulos introdutórios, o livro passa a apresentar as atualizações do conhecimento evolutivo: o Capítulo 3 contém uma visão atualizada da teoria da síntese evolutiva e discute os principais mecanismos de evolução. Em face do desconhecimento de muitos sobre a evolução, o Capítulo 4 apresenta as evidências existentes para a sua constatação. Demonstra, por exemplo, como novas formas transicionais estão sendo descobertas, cada vez mais rotineiramente, no registro fóssil e relata que as infindáveis homologias genéticas são mais abrangentes do que se pensava há bem pouco tempo.

Muitos acreditam que o inspirador livro de Darwin – A origem das espécies – obteve sucesso ao demonstrar a existência da evolução, mas não mostrou como a vida surgiu e diversificou-se neste planeta. Assim, o Capítulo 5 discorre sobre o conhecimento atual relativo à formação e ao desaparecimento de espécies. Por sua vez, o sexto capítulo trata das hipóteses atuais sobre a origem da vida na Terra e sobre a história da evolução da vida, que levou à atual biodiversidade do planeta, incluindo a evolução do homem.

O sétimo e último capítulo descreve as aplicações do conhecimento evolutivo na agricultura nos dias de hoje, que têm por trás a herança do influente livro A origem das espécies. São apresentadas as tecnologias desenvolvidas pela pesquisa agropecuária para o aumento da produção agrícola, para o controle biológico de pragas e para a conservação de recursos genéticos e sua relação com a evolução.

O livro O legado de Darwin e a pesquisa agropecuária foi pensado para atingir o público leigo, interessado no desenvolvimento e no conhecimento da ciência, assim como para atualizar estudantes de ensino médio e de graduação nos temas básicos da evolução. Tendo em mente que o livro trata de diferentes tópicos e busca um público diversificado, imaginamos que alguns termos específicos não sejam de conhecimento de todos os leitores. Assim, incluímos um glossário de termos tratados no livro. Também incluímos dois encartes (disponíveis online): um apresenta os períodos geológicos da Terra e o outro mostra a evolução da vida e a intrincada relação entre os organismos.

Este livro é obra de pesquisadores apaixonados pelo legado de Darwin à ciência e à humanidade. Foi escrito como uma reverência ao gênio e ao intelecto de Darwin e por nossa admiração pela diversidade e beleza da vida em nosso planeta. Buscamos mostrar neste livro, como bem disse Darwin (1859, p. 490)5 no parágrafo final do seu, que “[...] existe uma grandeza nessa visão da vida”.6

José Roberto Moreira

Marcelo Brilhante de Medeiros

1 “[…] anything found to be true of E. Coli must also be true of elephants.”

2 A tendência das espécies de formar variedades e a perpetuação das variedades e espécies por meios naturais de seleção.

3 Sobre a origem das espécies por meio de seleção natural, ou a preservação de raças favorecidas na luta pela vida.

4 “Nothing makes sense in biology except in the light of evolution.”

5 Ver lista de referências do Capítulo 1.

6 “There is grandeur in this view of life.”