Capítulo 5

Especiação e extinção

José Roberto Moreira

Imagem bíblica da criação dos animais. Trabalho do pintor Jacopo Comin (1518–1593), conhecido como Tintoretto.

"Assim como as gemas originam novos brotos a partir de ramificações que, se saudáveis e fortes, espalham-se e cobrem os ramos mais fracos, eu acredito que o mesmo vem ocorrendo, por gerações, com a magnífica Árvore da Vida, a qual enche a crosta terrestre com seus galhos mortos e quebrados, e espalha, assim, pela superfície suas multiplicadoras e maravilhosas ramificações." (DARWIN, 1859, p. 130).

"As buds give rise by growth to fresh buds, and these, if vigorous, branch out and overtop on all sides many a feebler branch, so by generation I believe it has been with the great Tree of Life, which fills with its dead and broken branches the crust of the earth, and covers the surface with its ever-branching and beautiful ramifications.”

O mistério dos mistérios

A teoria da evolução de Darwin permitiu aos cientistas verem a diversidade da natureza como resultado de um processo dinâmico em vez de uma imagem estática, produto final da ação divina. Mesmo Jean-Baptiste Lamarck (1744–1829), antes de Darwin, já vislumbrava o dinamismo da existência orgânica. Sob sua visão, ela seria causada pela herança de caracteres adquiridos (LAMARCK, 1809, p. 268):

[...] não é a forma, seja do corpo ou de suas partes, que dá origem aos hábitos dos animais e seus modos de vida; mas são, ao contrário, os hábitos, modos de vida e todas as outras influências do ambiente que, ao longo do tempo, construíram a forma do corpo e das partes dos animais. Com novas formas, novas faculdades foram adquiridas e, pouco a pouco, tiveram êxito em moldar os animais como os vemos hoje.1

Lamarck, apesar da limitação de conhecimentos da época, conseguia perceber o dinamismo da natureza. Em seu livro Philosophie zoologique ou exposition des considérations relatives à l’histoire naturelle des animaux2, Lamarck (1809, p. 103) conceituou espécie, discutiu sobre sua constância no tempo, mostrou as limitações da classificação zoológica e a descreveu como uma mera ferramenta de identificação:

O objetivo da classificação dos animais, no entanto, é de preencher as lacunas da nossa imaginação, traçando limites para demarcar as fronteiras entre as linhas mais gerais; dessa forma, somos capazes de identificar mais facilmente cada raça já descoberta, compreender suas semelhanças com outros animais já conhecidos e classificar espécies recém-descobertas em suas devidas posições. Esse mecanismo compensa nossas falhas, facilita nossos estudos e nosso conhecimento e é absolutamente necessário para nós; mas, conforme já mostrei anteriormente, isso é um artifício e, apesar das aparências, não há nada similar na natureza.3

O sistema de classificação de espécies da época de Lamarck, o lineano, que até hoje é utilizado, não reflete a realidade da natureza, como ele mesmo reconhecia. É um conceito velho e pré-evolucionista, que não pode ser satisfatoriamente aplicado ao nosso conhecimento atual sobre a biologia (PINNA, 1999), especialmente para organismos assexuados ou aqueles para os quais a reprodução sexuada não é obrigatória. Entretanto, a classificação lineana já estava fortemente estabelecida à época do livro de Darwin e continua sendo utilizada na atualidade, principalmente por ser um sistema de classificação de uso relativamente fácil e mais abrangente. Na realidade, os biólogos acabaram tendo de comprimir a realidade em um modelo que não se ajusta adequadamente a inúmeros casos.

Página inicial do livro Philosophie zoologique ou exposition des considérations relatives à l’histoire naturelle des animaux (publicado em 1809), de Jean-Baptiste Lamarck, no qual ele conceituou espécie, discutiu as limitações da classificação biológica e apresentou sua teoria da evolução por herança de caracteres adquiridos.

Reprodutivamente isoladas

Afinal, o que é uma espécie? A apresentação dos meios de especiação exige a definição de o que uma espécie vem a ser. Existem diversos conceitos de espécie em uso pelos biólogos. Nos tempos recentes, a definição de espécie de maior uso tem sido o conceito biológico de espécies. Uma das melhores definições de espécie por esse conceito (DE QUEIROZ, 2005, p. 6600) é aquela feita pelo renomado biólogo evolucionista Ernst Walter Mayr (1904–2005): “Espécies são grupos em que ocorre o intercruzamento em potencial ou de fato entre as populações naturais, as quais são reprodutivamente isoladas de outros grupos”.4

Ernst Walter Mayr (1904–2005), biólogo evolucionista e taxonomista alemão, radicado nos EUA, foi uma importante figura na formação da teoria sintética da evolução por meio da publicação, em 1942, do livro Systematics and the origin of species from the viewpoint of a zoologist [Sistemática e a origem das espécies do ponto de vista de um zoólogo]. Ernst Mayr destacou-se também pelo desenvolvimento do conceito biológico de espécies.

Foto: arquivos da Biblioteca Ernst Mayr do Museu de Zoologia Comparada, Universidade de Harvard

Esse conceito define a espécie como uma comunidade reprodutiva. Por vezes, porém, o acasalamento pode acontecer entre espécies diferentes (como é amplamente conhecido o caso entre o jumento e a égua). Quando isso acontece, pode não produzir descendente, ou o produto da reprodução não é fértil ou não tão adaptado ao ambiente quanto seus genitores (RIDLEY, 2004). Entretanto há exceções.

Existem diversos mecanismos que impedem que duas subpopulações em processo de especiação se acasalem quando reunidas geograficamente. Esses mecanismos podem ser divididos em isolamento reprodutivo pré-zigótico (que previne a fertilização) e isolamento reprodutivo pós-zigótico (RIDLEY, 2004). A ocupação de diferentes áreas de habitat por diferentes subpopulações dentro de uma mesma área é um mecanismo que previne a fertilização. A adoção de diferentes estações de acasalamento também previne a fertilização de subpopulações em processo de especiação. Existem ainda outros mecanismos de isolamento reprodutivo pré-zigótico, tais como: a exibição de diferentes comportamentos de corte pelos animais, as diferenças estruturais entre órgãos sexuais e a incapacidade do espermatozoide de alcançar ou penetrar no ovo.

Caso a fertilização ocorra, existem mecanismos que impedem a reprodução entre indivíduos de duas subpopulações em processo de especiação. São os mecanismos que evitam a geração de descendentes por isolamento reprodutivo pós-zigótico. Nesse caso, pode ocorrer tanto a mortalidade do zigoto (por diversas razões), quanto a produção de híbridos inférteis ou a infertilidade da geração F2 (segunda geração de descendentes). Esses mecanismos permitem o isolamento reprodutivo entre duas subpopulações e, consequentemente, a formação de novas espécies (RIDLEY, 2004).

A aplicabilidade do conceito biológico de espécies é questionável (BROWN; LOMOLINO, 2006). Sua validade e praticidade representam um problema para diversos grupos, incluindo plantas terrestres, rotíferos, flagelados, algas, etc. A aplicação é problemática em razão de ocorrência de hibridização entre espécies diferentes em alguns grupos, e de autopolinização e reprodução assexuada obrigatória em outros. Tal conceito de espécies pode ser de nenhuma utilidade para a delimitação entre espécies desses grupos (PINNA, 1999).

O conceito fenético de espécies, proposto, em 1988, pelo botânico americano Arthur Cronquist (1919–1992), foi uma alternativa para solucionar os problemas relacionados ao conceito biológico de espécies. Ele descreveu esse novo conceito como a renovada definição prática de espécies e definiu espécie como os menores grupos que são consistentemente e persistentemente distintos e distinguíveis por meios ordinários. Esse conceito, também conhecido como sistema de Cronquist, apresenta algumas vantagens, pois o uso da expressão “meios ordinários” torna flexível a identificação de espécies e permite a utilização de diferentes técnicas para os variados taxa. Enquanto para um táxon a distinção entre espécies pode ser feita através de uma mera lente de mão, para outro é necessário uma análise genética. Ainda que esteja principalmente apoiado em caracteres morfológicos, esse conceito reconhece a aplicação de outros caracteres para a identificação de espécies, como número de cromossomos, metabólitos secundários, etc. (RIDLEY, 2004). Também requer certo grau de descontinuidade reprodutiva para a distinção entre espécies, quando aponta que elas devem ser “persistentemente distintas”.

Outra concepção relevante para a definição de espécie é o conceito filogenético de espécies, para o qual existem diferentes definições. Uma delas determina que espécies devem ser monofiléticas e partilhar um ou mais caracteres derivados. Um grupo monofilético é definido como o conjunto que inclui todos os descendentes de um coancestral, bem como esse ancestral. Todas as definições filogenéticas de espécie apontam que classificações de organismos devem apoiar hipóteses de sua filogenia (PINNA, 1999).


Comparação de grupos filogenéticos. Os répteis são um grupo monofilético (A) quando incluem os testudines (tartarugas e jabutis), os lepidosauria (lagartos e cobras), os crocodilia (crocodilos e jacarés) e as aves. No entanto, caso não incluam as aves (B), não são um grupo monofilético, e sim parafilético.

Na atualidade, a maioria das classificações de espécies continua adotando o conceito biológico de espécies. Entretanto, em muitos casos outros conceitos seriam mais adequados àqueles utilizados.

Brotos dão origem, por crescimento, a novos brotos

Especiação é o processo pelo qual novas espécies são formadas. Porém, a grande questão é saber como elas são formadas. Darwin, parafraseando o astrônomo John Herschel, tratava a especiação como “o mistério dos mistérios” (DARWIN, 1913). Hoje ainda há muitas dúvidas sobre o assunto, mas, certamente, sabemos muito mais que na época de Darwin.

Na atualidade, são conhecidos alguns meios pelos quais ocorrem a especiação e a diversidade biológica. A divisão de linhagem, que produz duas ou mais espécies separadas, é um processo conhecido por cladogênese, que aumenta a variedade de organismos por meio da divisão de espécies (BROWN; LOMOLINO, 2006), representada pela bifurcação da árvore filogenética. Espécies também podem apresentar um processo de evolução linear e progressivo chamado de anagênese, por meio do qual uma espécie se transforma em outra substituta caso ocorra mutação genética suficiente. Nessa situação, a espécie ancestral torna-se extinta. Como a anagênese é um processo progressivo, é difícil identificar o momento de formação de uma nova espécie e de extinção da ancestral (FUTUYMA, 1986).


Processos de especiação: cladogênese (A) – os pontos de divergência na subfamília Hydrochoerinae representam eventos passados de especiação, um deles separa os gêneros Hydrochoerus e Kerodon e outros separam as espécies nesses dois gêneros (as quatro espécies têm um ancestral comum); anagênese (B) – processo progressivo de evolução de uma espécie hipotética, no qual existe isolamento reprodutivo entre uma nova espécie e seu ancestral.

A especiação é o meio pelo qual a cladogênese pode ocorrer. A divisão de espécies, especialmente para as espécies animais, ocorre de forma mais comum quando a população fica separada geograficamente em dois ou mais grupos. Esse tipo de especiação é conhecido por especiação alopátrica. O isolamento geográfico pode ocorrer pelo surgimento de uma barreira física, como um oceano, uma cadeia de montanhas, um rio, etc. Essa barreira permite diferenciação e isolamento reprodutivo entre as populações, os quais podem ocorrer principalmente por seleção natural (RIDLEY, 2004).

Quando uma pequena população fica isolada na periferia da área de distribuição da espécie-mãe, passam a agir pressões evolucionistas comuns para pequenas populações, entre as quais as principais são: o efeito fundador, o efeito de gargalo e a deriva genética (ver Capítulo 3). Esse processo, conhecido por especiação peripátrica, é considerado um subgrupo da especiação alopátrica (FUTUYMA, 1986).

Diferentes meios de especiação.

Existem meios pelos quais a especiação pode ocorrer mesmo que não haja barreiras geográficas. Se a espécie encontra-se distribuída por uma grande extensão geográfica e sua dispersão ocorre em limitadas porções desse território, o fluxo gênico por essa extensão pode ser muito pequeno. Com o tempo, as populações dos dois extremos passam a apresentar características diferentes que levam à especiação. Esse processo é chamado de especiação parapátrica (RIDLEY, 2004).

A grande extensão da área de distribuição de uma (ou mais) população com indivíduos aparentados pode levar às chamadas espécies em anel (RIDLEY, 2004). Isso pode acontecer quando uma série de subpopulações conectadas (que podem intercruzar com as adjacentes, mas não com as mais distantes geograficamente) é interligada nas regiões mais distantes, formando um “anel” de espécies, já que se encontram distribuídas em um continuum. Espécies em anel são uma clara evidência da evolução que ocorre ao longo desse gradiente de subpopulações.

Espécies em anel (populações de salamandra) da Califórnia (Ensatina eschscholtzii). Os diversos exemplos de especiação em ação (de 1 a 5) mostram que as populações se tornaram isoladas e, subsequentemente, foram recontatadas em diversos locais (WAKE, 1997).

Existe outro tipo de especiação, denominada especiação simpátrica, que se refere à formação de duas ou mais espécies descendentes a partir de um ancestral, na qual todas ocupam a mesma localização geográfica. Esse tipo de especiação é bastante controverso, e muitos pesquisadores duvidam de sua existência (BROWN; LOMOLINO, 2006). Acredita-se que sua ocorrência seja possível quando diferentes indivíduos da população passam a utilizar distintos nichos ecológicos dentro da mesma área. É possível que o uso de diferentes estratégias de escolha de parceiro para reprodução dentro de uma população seja outro processo pelo qual a especiação simpátrica ocorra.

Quando duas populações isoladas por um determinado tempo são reunidas, o processo de especiação pode ser acelerado. Isso é chamado de reforço (BROWN; LOMOLINO, 2006). Mesmo que os membros desses grupos não mais se acasalem, continuam sendo semelhantes em muitas características, o que faz que utilizem muitos recursos ambientais semelhantes. Quando isso ocorre, a competição entre os dois grupos aumenta. Em decorrência disso, ocorre intensificação da pressão de seleção e, consequentemente, pode ocorrer a extinção de um dos grupos ou o deslocamento de caráter, em que as diferenças entre os dois grupos são enfatizadas, acelerando a especiação. Quando o resultado do intercruzamento dos dois grupos gera híbridos inférteis ou menos aptos que os indivíduos das populações ancestrais haverá seleção com favorecimento do acasalamento preferencial, o que acaba por controlar a hibridização. Esse controle também acelera a especiação (RIDLEY, 2004). O reforço é necessário tanto para a ocorrência da especiação parapátrica quanto da simpátrica. Sem o reforço, a área geográfica onde existe contato entre as diferentes formas da mesma espécie, chamada de zona híbrida, não se desenvolverá como fronteira entre diferentes espécies.

O número de opções de estratégias reprodutivas é maior em plantas do que em animais, por isso outros meios de especiação podem ocorrer. Espécies de plantas podem se reproduzir sexualmente – seja entre diferentes indivíduos seja por autofecundação – e assexuadamente. Um dos meios de especiação mais característico das plantas é a especiação por hibridização, que consiste na formação de indivíduos híbridos a partir da reprodução de duas diferentes espécies. Ainda que, na maioria das vezes, o híbrido não possa intercruzar com nenhuma das duas espécies ancestrais, por vezes pode se autofecundar e formar uma terceira e nova espécie (FUTUYMA, 1986). Outro meio de especiação em vegetais é a especiação por poliploidia, que pode ocorrer pela multiplicação do número de cromossomos do genoma dos descendentes, no momento da hibridização (ver Capítulo 3).

Quando ocorre o isolamento geográfico da população de um organismo, seus parasitas também se tornam isolados. É comum que, nesses casos, a exemplo da população do hospedeiro, a população do parasito também seja submetida à especiação, pelo isolamento reprodutivo em relação à espécie ancestral. Isso é chamado de coespeciação. É comum encontrar árvores filogenéticas com ramificações semelhantes entre grupos de hospedeiros e grupos de parasitas, com os eventos de especiação ocorrendo em momentos semelhantes nos dois grupos (RIDLEY, 2004).

Especiação por poliploidia em plantas. Muitas espécies de plantas cultivadas são poliploides. O morango (Fragaria x ananassa) é uma espécie híbrida do cruzamento da espécie Fragaria virginiana (do leste dos EUA) e Fragaria chiloensis (do Chile). Essas duas espécies são octoploides: têm oito conjuntos de cromossomos de base haploide de sete cromossomos. A poliploidização é um meio de especiação simpátrica, pois o organismo poliploide é incapaz de acasalar com seu ancestral diploide.

Multiplicadoras e maravilhosas ramificações

A biodiversidade terrestre – variação da vida em nosso planeta em todos os níveis da organização biológica – é um maravilhoso produto do nosso passado evolutivo (AVISE; AYALA, 2008). O fantástico da existência da biodiversidade é destacado por Darwin ao final de seu livro A origem das espécies (1859, p. 490): “[...] de um início tão simples, as mais lindas e maravilhosas, infinitas formas evoluíram e estão evoluindo”5. A formação da diversidade da vida na Terra teve um início lento e longo durante o Pré-cambriano, seguido de um rápido crescimento durante o Cambriano (ver Capítulo 6). Manteve-se estável desde então, com alguns períodos de grande perda de diversidade durante os eventos de extinção em massa, seguidos por recuperação (ALROY et al., 2001).

Nem todas as novidades relacionadas a caracteres no modelo de um organismo têm a mesma força evolutiva. Algumas, como a endotermia, a multicelularidade e o ovo amniótico, por exemplo, foram inovações marcantes que causaram drásticas mudanças na ecologia e na evolução das linhagens nas quais surgiram. Essas importantes mudanças podem causar explosões nas diversificações morfológicas, funcionais e ecológicas das espécies (WAINWRIGHT, 2007). Estudos empíricos realizados em laboratório, no campo e com fósseis demonstraram que a taxa de evolução das espécies é muito mais rápida do que se imaginava (GINGERICH, 2009). Como exemplo, estudos genéticos do DNA mitocondrial dos peixes ciclídeos do lago Malawi, na África, demonstraram que o tempo de divergência entre populações pode ser até de apenas algumas centenas de anos (ALBERTSON et al., 1999).

As variações nas taxas de mutação levam a diferentes taxas evolutivas. Grandes populações submetidas à seleção natural apresentam diferentes taxas evolutivas em relação a pequenas populações submetidas à deriva genética (RIDLEY, 2004). Diferentes taxas de substituição gênica também foram identificadas para diferentes organismos. Roedores, por exemplo, apresentam maior taxa de evolução molecular. Já foi argumentado que o curto tempo de geração dos roedores é responsável pelas taxas de evolução e especiação mais rápidas que apresentam, em relação àquelas de outros taxa de mamíferos (HONEYCUTT et al., 2007).

A formação de uma nova espécie pode vir acompanhada por forte seleção para a adaptação a um novo ambiente (RIDLEY, 2004). Uma mudança de um dos caracteres pode levar a outra, em cadeia, e a espécie pode mudar radicalmente. Podem evoluir novas configurações morfológicas junto com novos comportamentos que definem novas adaptações em relação a outras espécies nesse ambiente. As novas vantagens dessa nova espécie podem permitir que se amplie a área de distribuição em relação à espécie da qual se originou. Em razão dessa possibilidade de grandes mudanças evolutivas no momento da especiação, alguns cientistas acreditam que a grande maioria das mudanças evolutivas acontece durante esses eventos. Essa hipótese, conhecida por equilíbrio pontuado, aponta que o processo de especiação acontece muito rapidamente. Nessa ocasião, ocorrem grandes mudanças morfológicas e, a partir de então, existem longos períodos com pouca mudança, aos quais foi dado o nome de estase (ELDREDGE; GOULD, 1972). O celacanto (Latimeria chalumnae) é um exemplo de uma linhagem que se encontra em estase morfológica há 80 milhões de anos (INOUE et al., 2005). O equilíbrio pontuado foi descrito, em 1972, pelos paleontólogos americanos Niles Eldredge (1943–) e Stephen Jay Gould (1941–2002).


A evolução paralela de ciclídeos dos lagos Tanganica e Malawi é um excelente exemplo de rápida radiação adaptativa. Centenas de espécies de ciclídeos foram registradas nos grandes lagos do leste da África, a maioria endêmica de um único lago. Aqui é exemplificada a evolução paralela de morfologia e coloração, associada à colonização independente, de habitat semelhantes, localizadas nos dois diferentes lagos: espécie do lago Tanganica – Julidochromis ornatus (A); espécie do lago Malawi – Melanochromis auratus (B).

Foto A: Jason M. Robertson
Foto B: Alexandra Tyers

Por sua vez, no registro fóssil existem muitos exemplos de mudanças lentas e graduais nas espécies. Esse padrão é conhecido por gradualismo filético (RIDLEY, 2004), segundo o qual as especiações ocorrem ao longo de grandes períodos em razão do acúmulo gradual de muitas pequenas mudanças. Alguns cientistas acreditam que essa seja a regra para a maioria dos eventos de especiação.

Por vezes, uma explosão evolutiva pode acontecer em uma linhagem, o que resulta na formação de muitas novas espécies em muitas áreas diferentes de habitat, em curto espaço de tempo. As novas populações geradas por essas explosões de especiação muitas vezes variam em suas adaptações aos novos nichos ambientais que ocupam, bem como em suas feições comportamentais e anatômicas. Tais explosões de especiação são chamadas de radiações adaptativas (KASSEN, 2009), as quais levam ao surgimento repentino de diversas novas linhagens a partir de uma só linhagem ancestral. A chegada dos roedores à América do Sul há mais de 30 Ma pode ser um exemplo de radiação adaptativa (VUCETICH et al., 1999). A combinação entre comportamento generalista, reprodução placentária e alta taxa reprodutiva permitiu que eles diversificassem e tivessem sucesso sobre diversos mamíferos marsupiais e os notoungulados que aqui existiam, os quais acabaram extintos.


Mudanças evolutivas. No equilíbrio pontuado (A), as especiações ocorrem rapidamente, com grandes mudanças morfológicas, seguidas de longos períodos de pouca mudança (estase). No gradualismo filético, as mudanças morfológicas, durante as quais as especiações ocorrem, são graduais.

Pontos de descanso para a nossa imaginação

Havendo, pois, o Senhor Deus formado da terra todo animal do campo e toda ave dos céus, os trouxe a Adão, para este ver como lhes chamaria; e tudo o que Adão chamou a toda a alma vivente, isso foi o seu nome (BÍBLIA..., 1990, Gênesis 2:19).

Dar nomes e classificar os organismos viventes é parte da condição humana. A necessidade de descobrir, descrever e categorizar organismos sempre esteve presente no estudo da natureza. Porém, até o século XVIII a classificação dos organismos era, até certo ponto, fruto do gosto do autor. Afinal, segundo o pensamento vigente da época, aquilo que Deus criou deveria ser organizado da maneira que cada um achasse mais adequada. Por exemplo, Aristóteles (384–322 a.C.), no século IV antes de Cristo, foi o primeiro a desenvolver um método de classificação dos organismos, os quais agrupou de acordo com seus meios de movimentação – ar, terra e água (ARISTÓTELES, 2001). Já o escritor e poeta irlandês Oliver Goldsmith (1730–1774), em 1774, classificou os animais pelas suas semelhanças aos animais domésticos (GOLDSMITH, 1870).

Radiação adaptativa dos roedores Histricognatas na América do Sul. O primeiro evento de radiação ocorreu provavelmente no limite do Eoceno para o Oligoceno (33,9 Ma), e o segundo no limite do Mioceno Médio para o Superior (11,6 Ma) (VUCETICH et al., 1999).

Dar nomes e ordenar as coisas a nossa volta é parte da condição humana. O escritor irlandês Oliver Goldsmith, em seu livro A history of the earth and animated nature [Uma história da Terra e da natureza animada] (publicado em 1774), ordenou os animais pelas suas semelhanças com os animais domésticos. Assim, a capivara, um roedor, foi classificada por ele entre os “animais do tipo dos porcos”, junto com os artiodáctilos suídeos e tayassuídeos. Quando se interpreta a criação dos animais como um ato divino, a sua ordenação não tem, necessariamente, nenhuma relação com o processo evolutivo.

A busca por um método para a nomenclatura científica iniciou-se ao final do século XVI, a partir da evidência de que nomes de organismos mudam com o uso e o tempo e variam entre regiões; portanto, precisam ser padronizados, unificados e organizados. No princípio da nomenclatura científica, as plantas e os animais recebiam longos nomes latinos polinomiais. No século XVIII, os cientistas buscaram nomear os seres vivos de maneira formal e passaram a usar tais nomes consistentemente. Com o aumento do conhecimento da diversidade biológica, bem como com a descoberta de novas espécies vegetais e animais no novo mundo, essa nomenclatura passou a ser extremamente problemática e os nomes foram se tornando cada vez mais longos (LINSLEY; USINGER, 1959). Por exemplo, o tomate era chamado Solanum caule inermi herbaceo, foliis pinnatis incisis, que significa: Solanum com caule liso que é herbáceo e tem folhas de inserção penada.

O botânico sueco Carl Linnaeus (1707–1778) é reconhecido como o pioneiro da moderna taxonomia. Em sua renomada arrogância, creditava a si a organização do mundo natural. Costumava descrever seu trabalho com a frase “Deus crevit, Linnaeus disposuit” (que significa: Deus criou, Linnaeus organizou). O botânico introduziu um meio bastante engenhoso para classificar e dar nomes aos organismos, o sistema binomial (composto por dois nomes), que hoje é conhecido por taxonomia lineana. Ele acreditava que os organismos apresentavam, entre seus caracteres físicos, aspectos estáticos e concretos da natureza que podiam ser considerados leis inflexíveis (LINSLEY; USINGER, 1959). Isso permitia a sua classificação. Outro grande mérito seu foi ter inventado o que hoje é chamado de sistema sexual. Linnaeus escolheu a contagem dos estames e pistilos das flores como o caráter físico das plantas que definiria sua classificação. Todo o seu sistema estava baseado no princípio de classificação por reconhecimento visual de caracteres físicos. Para ele, cada espécie era única e produto imutável da criação divina. O sistema lineano de classificação continua sendo usado até hoje com poucas alterações. Classificações que não usam o sistema binomial não são aceitas para propósitos nomenclaturais.

Carl Linnaeus é considerado o pai da taxonomia moderna. O sistema por ele criado – a nomenclatura binomial – continua sendo utilizado, ainda que com mudanças. Linnaeus agrupava os organismos de acordo com seus caracteres físicos, os quais acreditava serem aspectos estáticos e concretos da natureza, como leis inflexíveis.

A taxonomia lineana categorizou os organismos em grupos hierárquicos com base no compartilhamento de características físicas. Os organismos eram, então, classificados em reinos, classes, ordens, famílias, gêneros e espécies. Mais tarde, a categoria filo (e divisão, para os vegetais) foi acrescentada a essa hierarquia em posição abaixo dos reinos. Recentemente ocorreu a inserção da categoria domínio acima dos reinos. Grupos na parte mais elevada da hierarquia (reino, filo e classe) são aqueles mais amplos em definição, os quais contêm maior número de organismos em relação aos grupos mais particulares da parte de baixo (família, gênero, espécie).

A condição de um organismo que o faz pertencer a um grupo informa os caracteres que ele partilha com outros membros do grupo. Essa condição também informa os caracteres que o fazem único quando comparado a organismos de grupos aos quais não pertence (LINSLEY; USINGER, 1959). Por exemplo, Rodentia (os roedores – ratos, esquilos, preás) e Lagomorpha (coelhos e lebres) são duas ordens da classe Mammalia (dos mamíferos) e assim partilham, entre outras, as seguintes características: possuem pelos, são endotérmicos e produzem leite para suas crias. Os roedores caracterizam-se por possuir, em cada maxilar, apenas um par de dentes incisivos de crescimento contínuo, e nenhum dente canino. Já os lagomorfos se caracterizam por possuírem dois pares de dentes incisivos por maxilar.

Muitos cientistas continuam adotando a taxonomia lineana, mas ela não é mais o único sistema de classificação adotado. A cladística, também chamada de sistemática filogenética, é um sistema de classificação que adota o conceito filogenético de espécies; portanto, considera a história evolutiva do organismo. Por meio de análises genéticas, bioquímicas e morfológicas, a cladística avalia a história evolutiva do organismo para formar a estrutura de sua classificação (KLUGE, 1998). A árvore filogenética que caracteriza a história evolutiva do organismo é chamada de cladograma. Na cladística, os grupos de organismos de qualquer nível hierárquico (que são ilimitados) são chamados de clados.

Enche a crosta da Terra com seus ramos quebrados e mortos

O desaparecimento de espécies é um processo complexo. Pode ter origem em uma mera evolução gradativa de uma população na formação de um novo organismo, na qual se extingue o ancestral (anagênese). Extinção pode ser um processo gradual e eventual. Assim como novas espécies surgem, outras definham ou se tornam extintas. Por sua vez, em outro extremo, podem ocorrer extinções em massa quando uma grande quantidade de espécies desaparece simultaneamente da face da Terra. No intervalo entre esses dois extremos, existem diversas possibilidades de causas de extinção.


Hierarquia taxonômica lineana e três exemplos de classificação de organismos: capivara (Hydrochoerus hydrochaeris), ipê-amarelo (Tabebuia caraiba) e cólera (Vibrio cholerae). A terceira categoria taxonômica é chamada filo para os reinos Animalia e Bacteria; e divisão, para Plantae.

A extinção é um processo natural. Acredita-se que 99,9% de todas as espécies que já viveram na Terra encontram-se extintas (NEWMAN, 1997). Esse processo pode ser definido como o desaparecimento do último indivíduo de uma determinada espécie ou como o ponto em que a espécie não pode mais transmitir descendentes. Por exemplo, caso todos os poucos indivíduos de uma espécie sejam de um mesmo sexo, não é mais possível a geração de descendentes. Por sua vez, a extinção em massa pode ser descrita como uma intensa extinção de espécies ocorrida por todo o globo em curto tempo geológico (NEWMAN, 1997). É considerada apenas quando o evento é de escala global. Assim, as muitas extinções ocorridas na América do Sul, quando, há 3 milhões de anos, houve a ligação à América do Norte pelo Istmo do Panamá, são consideradas apenas como um evento local.

Existem espécies que apresentam maior tendência à extinção (JABLONSKI, 2008; PURVIS, 2008). Entre elas encontram-se aquelas em um maior nível trófico, de comportamento especialista ou os maiores membros de um guild. Espécies como a onça (Panthera onca), por exemplo, que se encontram em maior nível trófico, apresentam baixas taxas de crescimento populacional e baixo tamanho populacional, por isso podem ser levadas à extinção mais facilmente. Espécies que são endêmicas de um local, com pequena população, que acasalam em colônias ou que são fracas dispersoras estão mais sujeitas a catástrofes e podem facilmente ir à extinção. Por exemplo, se os indivíduos de uma espécie reproduzem-se preferencialmente em um determinado local que é submetido a uma catástrofe, a espécie pode ser levada à extinção. Destacam-se ainda outros exemplos de espécies com maior tendência para extinção: as espécies migratórias; aquelas que dependem de recursos ambientais imprevisíveis e restritos em quantidade; as espécies com pouca capacidade para enfrentar distúrbios ambientais e aquelas que necessitam de grandes espaços domiciliares (RIDLEY, 2004).

Razões que levam populações à extinção

A ocorrência recente de extinções de organismos e a ameaça atual de extinção em massa na Terra, situações causadas pela redução drástica de habitat original e pela pressão antrópica sobre as populações naturais, levaram ao desenvolvimento da ciência da conservação. Tal fato permitiu a geração de conhecimento sobre causas da extinção de espécies e sua aplicação na recuperação de espécies ameaçadas.

Quanto aos seus agentes causais, as extinções podem ser separadas em duas classes (SINCLAIR et al., 2006): extinções dirigidas e extinções estocásticas. As extinções dirigidas decorrem de mudanças no ambiente em detrimento da população. São mudanças que fazem a taxa de crescimento populacional tornar-se negativa. Ainda que o decréscimo populacional possa reduzir a densidade da população e a pressão de predação (o que normalmente levaria ao aumento da taxa de crescimento populacional), isso não é suficiente para sobrepor-se às forças da variável que está levando a população à extinção. A variável guia responsável pelo declínio populacional é, geralmente, a introdução de um novo elemento no ambiente (SINCLAIR et al., 2006). Uma das causas mais comuns de extinções dirigidas é a contração ou modificação de habitat. As catástrofes encontram-se incluídas nessa classe e são consideradas uma forte alteração ambiental. A colonização de uma área por um novo predador ou parasita, ou por uma espécie competidora, bem como a superexploração comercial da espécie também podem causar extinções dirigidas.


O tatu-canastra (Priodontes maximus), maior tatu vivente (90 kg), é uma espécie ameaçada de extinção por causa da destruição do seu habitat e da sobrecaça. Por ser o maior membro de um guild, o tatu-canastra apresenta maior tendência à extinção.

As extinções estocásticas são aquelas que ocorrem em populações pequenas, quando elas não conseguem vencer os problemas oriundos de seu reduzido tamanho (SINCLAIR et al., 2006). Quando o tamanho populacional é grande, os eventos aleatórios podem causar pouco dano; no entanto, quando se trata de populações pequenas, podem ter consequências importantes ou terminais. As extinções estocásticas são divididas em duas categorias:

Entre essas categorias, a extinção dirigida aparentemente tem sido aquela mais comum de ocorrer, seguida da extinção por má função demográfica. As extinções por má função genética são as menos comuns (SINCLAIR et al., 2006).

A ararinha-azul-de-spix (Cyanopsitta spixii) é uma espécie brasileira de psitacídeos extinta na natureza. A atual população de animais em cativeiro (menos de 100) descende de apenas sete animais capturados na natureza em dois ninhos. A extinção da espécie na natureza decorreu dos seguintes fatores: seu comportamento especialista, desmatamento de seu habitat, pequena área de distribuição e tráfico ilegal.

Extinções em massa

Ao final do século XVII, cientistas perceberam que, durante a história geológica da Terra, existiam momentos em que muitas espécies desapareciam do registro fóssil. Desde então, eles vêm tentando identificar as causas desse processo de extinção em massa. Por meio do estudo dos fósseis, pôde-se identificar que existem padrões reconhecíveis nos eventos de extinção. Entre esses padrões, percebeu-se que extinções acontecem tanto em terra quanto no mar. Em terra, os animais sofrem mais que as plantas. Durante as extinções em massa, o desaparecimento dos organismos tropicais é maior que o dos organismos de regiões temperadas, e certos grupos de organismos são mais suscetíveis que outros (JABLONSKI, 2008; PURVIS, 2008). Finalmente, também foi identificado um padrão cíclico em que extinções ocorrem em intervalos de 26 milhões de anos.

Os agentes que perpetuaram o desaparecimento de espécies estão divididos em dois tipos: agentes catastróficos e agentes terrestres (JABLONSKI, 2005). Os agentes catastróficos são aqueles que podem ter consequências globais, como a queda de um meteorito ou chuva de partículas causada pela passagem de um cometa. Por sua vez, são vários os agentes terrestres que podem causar extinções em massa. Entre eles se destacam a intensa atividade vulcânica, as grandes glaciações ou as mudanças climáticas globais.

A sugestão de que a extinção em massa do Cretáceo tenha sido causada pela queda de um asteroide foi feita, em 1980, pelo físico americano Luis Walter Alvarez (1911–1988) e por seus colaboradores. A queda de um grande asteroide poderia gerar queimadas por toda a Terra, terremotos, ondas gigantescas nos mares, chuva ácida e mudanças climáticas globais. Em um primeiro momento, causaria resfriamento global pelo excesso de material em suspensão na atmosfera, o que impediria a entrada de raios solares e, posteriormente, causaria aquecimento global pelo aumento de gás carbônico na atmosfera e incremento do efeito estufa. A poeira dispersa na atmosfera poderia bloquear a luz do Sol a tal extensão e por tão longo tempo, que haveria dificuldade no processo de fotossíntese das plantas (KELLER et al., 2004).


O gráfico mostra o efeito da superexploração de uma espécie silvestre (capivara – Hydrochoerus hydrochaeris) sobre sua população (MOREIRA et al., 2013), bem como o efeito da exploração tendenciosa para um sexo.

A intensa atividade vulcânica também pode causar extinções em massa. Ela pode encher o céu de poeira e gases. Com isso, ocorre redução da temperatura e mudanças climáticas, fatos que levariam à extinção de espécies. Como exemplo do efeito de apenas um evento vulcânico de grande dimensão, a erupção do vulcão Krakatoa, na Indonésia, em 1883, foi quatro vezes mais forte que a maior arma nuclear até hoje construída. Lançou na atmosfera 21 km3 de rocha, poeira e pedra-pomes (SELF; RAMPINO, 1981). A onda do tsunami formado chegou a 46 m de altura e afundou barcos em locais distantes, como a África do Sul. Na noite do cataclismo, choveu cinza quente na Sumatra o que levou cerca de mil pessoas à morte. Grande quantidade de dióxido de enxofre foi lançada na atmosfera e isso causou chuva ácida, aumento do albedo terrestre e resfriamento global. No ano seguinte à explosão, a temperatura média global foi reduzida em 1,2 °C. O clima global ficou caótico e voltou ao normal somente em 1888. Isso foi provocado por apenas uma explosão vulcânica, que, no entanto, não causou extinção em massa.


Localização da cratera Chicxulub, em Yucatan, México, local do impacto do meteorito causador da grande extinção em massa do fim do Cretáceo (KELLER et al., 2004).


Litografia feita em 1888, que ilustra a explosão do vulcão Krakatoa, em 1883, na Indonésia. Este é um bom exemplo do poder de destruição de erupções vulcânicas. Sua explosão foi equivalente a uma explosão atômica de 200 megatons. A temperatura global ficou mais baixa em 1,2 °C por até um ano após a explosão.

Outro importante mecanismo de extinção em massa é a glaciação, causada pelo esfriamento global (JABLONSKI, 2005). Com a glaciação, grande parte da água no globo terrestre fica congelada nos polos e o gelo se estende sobre os oceanos e continentes. Há um aumento no albedo terrestre, o que causa maior reflexão da energia solar e menor absorção do calor. Além disso, há redução do nível da água do mar com aumento das áreas terrestres e distúrbio dos nichos ecológicos. Isso causa a alteração dos níveis de salinidade e de oxigênio da água dos oceanos. Todas essas alterações ambientais levam à extinção de espécies.

O futuro da evolução

A explosão da população humana nas últimas décadas tem causado a extinção de espécies e a redução da biodiversidade terrestre. Alguns argumentam que extinção é um evento natural, que nosso planeta já experimentou outras extinções em massa no passado e que, no final, a biodiversidade se recuperou (LEVIN; LEVIN, 2002). Entretanto, ainda que o número total de espécies na Terra seja de difícil previsão – provavelmente da ordem de 107 (MAY, 1988) –, poucos duvidam que a taxa de extinção atual seja de 50 a 500 vezes maior que as anteriores (WOODRUFF, 2001) e esteja em ampla progressão. As consequências de tal magnitude de destruição para o futuro da evolução da vida na Terra são sérias.

Atualmente, ocorre rápido declínio dos biomas além da homogeneização das biotas do planeta (MOONEY; CLELAND, 2001). Suas causas são a destruição, degradação, fragmentação e reestruturação de habitat, bem como a superexploração de recursos naturais, a introdução de competidores exóticos, predadores e parasitas, e o aparecimento de novas pragas. A redução da área disponível para espécies selvagens causa diminuição da taxa de especiação, e isso é esperado porque espécies com maior área de distribuição formam espécies mais rapidamente. Redução de área também leva espécies à extinção. A diversidade biológica terrestre torna-se empobrecida em dois momentos: inicialmente por extinções dirigidas, pela perda de área; e, em seguida, por extinções estocásticas, em razão dos reduzidos tamanhos populacionais. O produto final dessas extinções também deverá apresentar uma reduzida formação de novas espécies, pois haverá menor número de espécies para especiação (ROZENZWEIG, 2001).

A crise da biodiversidade certamente perturbará e enfraquecerá alguns processos evolutivos básicos, com consequências que provavelmente persistirão por milhões de anos (MYERS; KNOLL, 2001). Possivelmente, como consequência das alterações ambientais, muitas espécies dispersoras e polinizadoras deverão desaparecer e pragas oportunistas reporão as espécies endêmicas especialistas. São previstas reduções nas áreas de distribuição e na diversidade genética de espécies (WOODRUFF, 2001). Por causa das alterações ambientais, espera-se um aumento na pressão de seleção sobre as espécies sobreviventes, com acréscimo da proporção de espécies de seleção r e de espécies-praga (TILMAN; LEHMAN, 2001). Os prováveis aumentos na concentração de mutagênicos, na emissão de raios ultravioleta e na armazenagem de lixo atômico na Terra deverão aumentar as taxas de mutação das espécies (WOODRUFF, 2001). Outras consequências do declínio dos biomas e das biotas terrestres deverão ser o encurtamento das cadeias alimentares de espécies e o aumento da existência de nichos ecológicos ricos em nutrientes, que causarão o desenvolvimento de novas doenças. Também é esperado que as taxas evolutivas se alterem nos diferentes grupos e que a especiação em grandes vertebrados seja inexistente (MYERS; KNOLL, 2001).

Imagem aérea do desmatamento no norte do Estado de Mato Grosso. É visível tanto a destruição ao longo da rodovia Cuiabá-Santarém quanto a proteção dentro do Parque Indígena do Xingu. A devastação do meio ambiente é uma ameaça à conservação da biodiversidade do planeta.

Foto: Nasa

Infelizmente, apenas começamos a entender como o homem está alterando o futuro evolutivo. As ações que tomarmos nas próximas décadas na busca pela desaceleração da perda da biodiversidade determinarão o grau de empobrecimento de nossa biota. É possível que, em mil anos, muitas espécies sofram pela falta da habilidade de evoluir e necessitarão de nossa intervenção por meio de manejo genético e ecológico (WOODRUFF, 2001). Considerando-se que o homem surgiu há apenas 200 mil anos e tendo em vista que o tempo médio de duração de uma espécie é de cerca de 1 milhão de anos, nossa espécie está apenas em sua adolescência. Como Ehrlich e Pringle (2008, p. 11579) colocam:

Trata-se, de fato, de uma coincidência, pois agora o Homo sapiens se comporta como se fosse um adolescente mimado. Narcisistas e pressupondo nossa própria imortalidade, tratamos mal os ecossistemas que nos geraram e nos amparam, sem pensar nas consequências.6

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