CAPÍTULO 1

PRODUÇÃO AGRÍCOLA E USO DA ÁGUA

Salassier Bernardo

Considerações gerais

Na agricultura irrigada, o fator água deve ser otimizado possibilitando, sem maiores riscos, aumentar a utilização dos demais fatores de produção e, por consequência, obterem-se maiores produtividades com uma melhor combinação dos insumos empregados. Para tanto, o conhecimento das funções de produção ou superfícies de resposta é fundamental para auxiliar nas decisões, uma vez que essas funções possibilitam a determinação das interações entre os diversos fatores que afetam a produtividade, e escolher as soluções mais condizentes com a realidade regional, permitindo assim o manejo racional da irrigação em bases técnicas e econômicas.

Ao manejar, de forma racional, qualquer projeto de irrigação, devem-se considerar os aspectos sociais e ecológicos da região e procurar maximizar a produtividade e a eficiência de uso de água e minimizar os custos, quer de mão de obra, quer de capital, de forma a tornar lucrativa a utilização da irrigação. Ou seja, não se deve fazer irrigação só para dizer que se está fazendo agricultura irrigada, mas sim com o objetivo de aumentar o lucro com o aumento da produtividade, quer em quantidade, quer em qualidade, ou com o objetivo de incorporar à agricultura terras que, sem o uso da irrigação, não seria possível usar em cultivo.

Não obstante a importância da irrigação para o aumento do suprimento de alimentos e fibras para a população, há também a existência de sérios problemas quanto aos impactos ambientais que podem ser ocasionados. Isso acontece porque, sendo a irrigação uma maneira artificial de aplicar água ao solo para suprir a demanda evapotranspirométrica das culturas, esta representa uma introdução tecnológica que modifica o meio ambiente.

Existem muitas evidências no mundo de que grandes áreas, após os benefícios iniciais da irrigação, têm-se tornado impróprias para a agricultura. Apesar de seus imensos benefícios, ela tem criado impactos ambientais adversos ao solo, à disponibilidade e à qualidade da água, à saúde pública, à fauna e à flora, e, em alguns casos, às condições socioeconômicas da população local (BERNARDO, 1998).

Quanto aos aspectos ecológicos, nem a total desconsideração nem as supervalorizações dos impactos ambientais são benéficas ao desenvolvimento sustentado da irrigação. Devemos envidar esforços para a obtenção de dados confiáveis que permitam quantificar, com precisão, a magnitude do impacto ambiental ocasionado pela irrigação, de modo que possam ser considerados na execução e manejo dos projetos. Procedendo assim, teremos um crescimento sustentável da irrigação, evitando que seja baseado exclusivamente em benefícios financeiros de curto prazo, que trazem sérios problemas ao meio ambiente.

Não concordamos com aqueles que preconizam a paralisação do desenvolvimento de novos projetos de irrigação em virtude de possíveis problemas ecológicos, mas também não podemos concordar com os que desconsideram totalmente os impactos ambientais relacionados com esses projetos e se apoiam somente na relação financeira entre beneficio e custo. Ambos os lados analisam exclusivamente uma única face do problema. Acreditamos que, na maioria dos casos, é possível compatibilizar desenvolvimento da irrigação com proteção do meio ambiente.

É de capital importância que se persiga uma maior sustentabilidade no uso dos recursos hídricos e de energia para se obter real crescimento na produtividade agrícola e na oferta permanente de empregos no meio rural. Para tanto, urge um choque de gestão e de regulamentação na prática do manejo da irrigação, notadamente com forte parceria público-privada. Mais do que nunca, precisa-se de gestão inovadora, a fim de melhorar o manejo e a eficiência da irrigação atualmente praticada, associando irrigação e seus efeitos relacionados aos impactos ambientais, uma vez que os projetos de irrigação precisam ter sustentabilidade. Se necessário, definir e impor limites mínimos de eficiência do uso da água para os diferentes métodos de irrigação em uso no País.

Sem dúvida, um dos principais parâmetros de controle do impacto ambiental advindo da irrigação será uma política intensiva de melhoria no manejo da irrigação. Política esta que abrange mais estudos, mais pesquisas e mais ações extensionistas sobre manejo da irrigação, passiva tanto de premiação quanto de fiscalização. Do mesmo modo, de ações repressivas por parte do governo, quando necessárias, pois água de boa qualidade torna-se cada dia mais um bem muito escasso.

As fases de planejamento e dimensionamento do projeto são os momentos adequados para diagnosticar os possíveis impactos ambientais resultantes da irrigação e realizar os ajustes necessários, de modo que os possíveis efeitos adversos, oriundos da implementação do projeto, sejam minimizados.

A irrigação no Brasil infelizmente ainda não está sendo praticada com eficiência. Todavia, com a competição cada vez maior por água, por parte de vários setores da sociedade, aliada aos movimentos ecológicos, conscientizando a população da importância de um meio ambiente mais saudável e menos poluído, haverá, sem dúvida, pressão para que a irrigação seja conduzida com maior eficiência, de modo que cause o mínimo de impacto possível no meio ambiente, notadamente no que se diz respeito à disponibilidade e qualidade da água para as múltiplas atividades.

Desse modo, cada vez mais torna-se de grande importância a conscientização da sociedade sobre a necessidade de se usar de forma racional os recursos hídricos. E que o direito de utilização da água inclui também a responsabilidade de usá-la de forma adequada.

Assim, mais e mais os técnicos que tratam desse assunto deverão ter obrigação de tomar cuidado para que a irrigação no País não seja implementada de forma atabalhoada, e que seus benefícios não sejam ilusórios ou momentâneos, mas sob enfoque de desenvolvimento sustentado, de modo que gere benefícios em curto, médio e longo prazo, sem degradar o solo e o meio ambiente. Precisa-se, também, conscientizar a população de que água é um bem nobre, com disponibilidade cada vez mais limitada e de uso múltiplo.

Padrões de uso da água

A qualidade da água para irrigação muitas vezes é definida em função apenas de sua salinidade. Todavia, o correto é analisá-la em função dos seus efeitos no solo, na cultura, no manejo da irrigação e no usuário da cultura irrigada. Assim, os parâmetros básicos a serem analisados são:

Tem-se, entre as propostas de classificação da água para irrigação, dois modelos muito difundidos, ou seja:

Modelo de classificação proposto pelo US Salinity Laboratory Staff – USDA.

Esse modelo baseia-se na condutividade elétrica (CE) como indicadora do perigo de salinização do solo e na Razão de Adsorção de Sódio (RAS) como indicadora do perigo de alcalinização ou sodificação do solo. Consideram-se também os efeitos da concentração de boro e bicarbonato.

Modelo de classificação proposto por Ayers e Westcost.

Esse modelo baseia-se também em quatro áreas-problema:

O Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama) estabeleceu padrões de qualidade para os corpos d’água das diversas classes (água doce) e padrão de lançamento, bem como uma classificação das águas em função dos usos preponderantes (Resolução Conama nº 20 de 18/06/86), explicitados nas Tabelas 1 e 2 (Demetrius David da Silva – Professor Adjunto do Departamento de Engenharia Agrícola da UFV).

Tabela 1. Classificação da água doce em função dos usos preponderantes (Resolução Conama nº 20 de 18/06/86).

Uso

Classes

Especial

1

2

3

4

Abastecimento doméstico

X

X(1)

X(2)

X(2)

 

Preservação do equilíbrio natural das comunidades aquáticas

X

       

Recreação de contato primário

 

X

X

   

Proteção das comunidades aquáticas

 

X

X

   

Irrigação

 

X(3)

X(4)

X(5)

 

Criação de espécies (aquicultura)

 

X

X

   

Dessedentação de animais

     

X

 

Navegação

       

X

Harmonia paisagística

       

X

Usos menos exigentes

       

X

(1) Após tratamento simples.

(2) Após tratamento convencional.

(3) Hortaliças e frutas produzidas rentes ao solo.

(4) Hortaliças e plantas frutíferas.

(5) Culturas arbóreas, cerealíferas e forrageiras.

Fonte: Sperling (1995).

Tabela 2. Padrões de qualidade para os corpos d’água das diversas classes (água doce) e padrão de lançamento (Resolução Conama nº 20 de 18/06/86).

Parâmetros

Unidade

Padrão para corpo d’água

Classes

 

1

2

3

4

Cor

uH

30

75

75

-

Turbidez

UNT(1)

40

100

100

-

Sabor e odor

-

VA

VA

VA

-

Temperatura

°C

-

-

-

-

Materiais flutuantes

-

-

VA

VA

VA

Materiais sedimentáveis

mL L-1

VA

VA

VA

-

Óleos e graxas

-

VA

VA

VA

-(2)

Corantes artificiais

-

VA

VA

VA

-

pH

-

6,0–9,0

6,0–9,0

6,0–9,0

6,0–9,0

Demanda Biológica de Oxigênio (DBO5)

mg L-1

3,0

5,0(3)

5,0(3)

-

Demanda Química de Oxigênio (DQO)

mg L-1

-

-

-

-

Oxigênio Dissolvido (OD)

mg L-1

≥ 6

≥ 5

≥ 5

≥ 2

Sólidos em suspensão

mg L-1

-

-

-

-

Coliformes totais

org./100 mL

1.000

5.000

5.000

-

Coliformes fecais

org./100 mL

200

1.000

1.000

-

VA – Virtualmente ausente.

(1) Unidade Nefelométrica de Turbidez.

(2) Toleram-se efeitos iridiscentes (cores do arco-íris).

(3) Pode ser ultrapassado com estudos de autodepuração.

Fonte: Sperling (1995).

A prática da irrigação

A finalidade básica da irrigação é proporcionar água às culturas de maneira a atender às exigências hídricas durante todo o seu ciclo, possibilitando altas produtividades e produtos de boa qualidade. A quantidade de água necessária às culturas é função da espécie cultivada e da produtividade desejada, do local de cultivo, do estágio de desenvolvimento da cultura, do tipo de solo e da época de plantio (BERNARDO et al., 2006).

Um bom programa de irrigação pode beneficiar uma cultura de muitos modos, a saber:

Mas é de capital importância que se tenha consciência de que a irrigação como prática isolada não propiciará os benefícios desejados, pois precisa ser acompanhada de outras práticas culturais para poder gerar os lucros esperados da exploração agrícola irrigada, tais como variedades produtivas e de bom valor comercial, adubações e tratos culturais apropriados.

Sabe-se que há bons conhecimentos para projetar e construir sistemas de irrigação, que são as partes mais fáceis do projeto. E, sem a menor dúvida, as mais difíceis são a seleção e locação de colonos nos assentamentos, a seleção de produtores empreendedores para os projetos maiores (de modo a evitar os aventureiros) e o estabelecimento da corrente de comercialização, de modo a dar viabilidade e sustentabilidade aos projetos de irrigação.

Nas regiões onde se investiu em irrigação, ocorreu desenvolvimento econômico, desenvolvimento social e, consequentemente, redução de pobreza. Notadamente quando as ações foram integradas, sequenciais e em tempo hábil, permitindo a consolidação da corrente produtiva e a sustentabilidade de mercado para os produtos.

Os resultados, principalmente os indicadores de externabilidade socioeconômicas, não aparecem imediatamente após a implantação dos projetos de irrigação. Geralmente demandam um tempo de maturação de no mínimo 10 a 15 anos, em função de vários fatores, tais como falta de capacidade do pessoal do “entorno” (trabalhadores ligados ao setor de produção agrícola sem experiência com o sistema de irrigação) em vislumbrar oportunidades, necessidade de capital e de mão de obra qualificada, introdução de culturas e de sistemas de produção novos na região, etc.

Além dos impactos socioeconômicos diretos da agricultura irrigada – como o aumento da produtividade e da produção e, consequentemente do lucro do produtor e do número de empregos na região –, existem benefícios socioeconômicos indiretos ou externabilidades socioeconômicas. Mas as externabilidades socioeconômicas somente serão positivas se os projetos de irrigação tiverem sustentabilidade econômica, sustentabilidade social e sustentabilidade ambiental, ou seja, se forem economicamente viáveis, socialmente responsáveis e ambientalmente sustentáveis.

Define-se função de produção como a relação técnica entre um conjunto específico de fatores envolvidos num processo produtivo qualquer e a produtividade física possível de se obter com a tecnologia existente
(SOUZA, 1997).

Para quantificar os benefícios econômicos da irrigação, é necessário saber quantificar o esperado aumento na produtividade em função do aumento da água aplicada. A representação gráfica ou matemática dessa relação é denominada função de produção água-cultura (BERNARDO, 1998).

Estudos agroeconômicos utilizando função de produção são bastante difundidos em alguns países. A utilização dessas funções para determinar os níveis ótimos econômicos dos fatores de produção é o que tem permitido melhorar o desempenho daqueles produtores. No Brasil, ainda são poucos os trabalhos realizados nessa linha de pesquisa, e concentram-se, em sua maioria, na determinação das dosagens mais econômicas de fertilizantes.

Uma função de produção água-cultura típica é quando relacionamos lâmina de água aplicada durante o ciclo da cultura versus produtividade comercial. Outra maneira de expressar funções de produção água-cultura é relacionar lâminas aplicadas por estágios de desenvolvimentos da cultura, ou evapotranspiração, ou tensão ou umidade do solo versus produtividade.

Na Figura 1, tem-se um exemplo clássico de uma função de produção água-cultura onde um menor incremento da lâmina aplicada no início da função de produção resulta em um incremento muito maior na produtividade .

Normalmente as expressões matemáticas das funções de produção água-cultura são do tipo linear, potencial e exponencial. E, em geral, podemos expressá-las da seguinte forma:

Y = f (X1, X2, ..., Xn)

(1)

em que

Y representa a produtividade da cultura

X1, X2, e Xn representam os fatores que afetam essa produtividade.

Figura 1

Figura 1. Exemplo típico de função de produção água-cultura.

Fonte: Bernardo (1998).

Trata-se de uma relação empírica, obtida normalmente por análise de regressão entre as variáveis dependentes (produtividade) e uma ou mais variáveis independentes (dentre elas, a lâmina de água aplicada), conforme o modelo proposto.

Para a função de produção água-cultura, quando se trabalha com lâmina total aplicada, normalmente usa-se um modelo polinomial de segundo grau, da seguinte forma:

Y = a + b.W + c.W2

(2)

em que

Y representa a produtividade, em kg ha-1 ou t ha-1

W representa a lâmina total aplicada, em mm

a, b e c representam os coeficientes de ajuste.

Ou quando se trabalha com evapotranspiração (ET), usa-se, em geral, modelo linear (polinômio do primeiro grau), da seguinte forma:

Y = a + b.ET

(3)

Na obtenção de dados de campo para se ajustar à função de produção deve-se trabalhar com no mínimo seis lâminas distintas, distribuídas uniformemente ao longo do ciclo da cultura, ou distribuídas por fase ou estágio da cultura. Quando se trabalha com lâmina total por ciclo, os dados são mais fáceis de serem obtidos e analisados, mas não possibilitam a otimização da lâmina aplicada por fase ou estágio da cultura. Em contrapartida, quando se trabalha por fase ou estágio da cultura, apesar da maior dificuldade para gerar e analisar os dados, pode-se variar as lâminas por fase em função da maior ou menor sensibilidade ao déficit de água da cultura nos diferentes estágios de seu desenvolvimento, e obter maior eficiência no uso da água.

A maioria dos cultivos anuais ou bianuais é sensível à variação da umidade do solo, de forma diferenciada por espécie, e, em cada espécie, ao longo das fases ou estágios do seu ciclo vegetativo. Existem, assim, fases mais sensíveis ao déficit de umidade do solo, denominadas fases críticas.

O alto custo de implantação dos sistemas de irrigação, aliado à relação direta existente entre o custo de operação da irrigação e a quantidade de água a ser aplicada, conduz cada vez mais à necessidade de se otimizar tanto o uso da água com um bom manejo da irrigação quanto dos demais insumos de produção. Dos fatores complementares da produção agrícola, a água e a adubação são aqueles que limitam os rendimentos com maior intensidade, considerando um bom material genético e um bom controle de pragas e doenças. Desse modo, as aplicações racionais da irrigação e da adubação são fundamentais para o aumento da produtividade e do retorno econômico na agricultura irrigada. Essas aplicações racionais tanto da irrigação quanto da adubação poderão ser conseguidas quando se conhecer as funções de produção das culturas nas diferentes regiões do País.

Os custos dos sistemas de irrigação variam de acordo com os métodos de irrigação utilizados, as culturas irrigadas, a topografia, o tipo de solo e a região. Dados levantados por Soares et al. (2003) sobre custos de implantação de sistemas de irrigação, produtividade e eficiência do uso de água para cana-de-açúcar na Usina Agrovale, em Juazeiro, BA, com área cultivada de aproximadamente 15.000 ha, estão resumidos na Tabela 3.

Tabela 3. Custos de implantação de sistemas de irrigação, produtividade e eficiência do uso de água para cana-de-açúcar na Usina Agrovale, em Juazeiro, BA, em 2002.

 

Sulco com canal

Sulco com tubo janelado

Pivô central

Sistema linear

Gotejamento

Custo de implantação

(R$ ha-1)(1)

450,00

1.513,00

5.870,00

6.562,00

6.243,00

Produtividade

(t ha-1)

98

98

130

-

116

Eficiência de uso de água

(kg m-³)

4,90

4,90

7,15

-

7,13

(1) Referência do custo em dólar: US$ 1,00 = R$ 2,90.

Fonte: Soares et al. (2003).

Dados que também nos foram disponibilizados pelo Prof. Everardo C. Mantovani, Professor Titular do Departamento de Engenharia Agrícola da UFV, sobre custos de implantação de sistemas de irrigação para o cafeeiro variaram de R$ 1.200,00 a R$ 6.000,00 por hectare, assim distribuídos:

Além da relevância do cultivo irrigado no aumento da produtividade e da produção e, como consequência, no aumento do lucro do produtor, existem os benefícios socioeconômicos indiretos, tais como o aumento do número de empregos na região, os quais somente serão duradouros se os cultivos irrigados tiverem sustentabilidade econômica, social e ambiental, ou seja, se forem economicamente viáveis, socialmente responsáveis e ambientalmente sadios.

No cultivo irrigado, é de capital importância definir os estágios de desenvolvimento da cultura a fim de otimizar a eficiência de aplicação da irrigação. Assim, pode-se dividir o ciclo da maioria das culturas em 4 ou 5 estágios de desenvolvimento, bem como identificar os estágios mais críticos ao déficit hídrico e os não muito críticos. Também pode-se detectar a existência de estágios que respondem positivamente ao déficit hídrico, como, por exemplo, o período de pré-floração do café, da manga, do limão e o período de maturação da cana-de-açúcar. Na fruticultura, geralmente, um déficit de umidade no solo antes da floração evita o excesso de crescimento vegetativo, induz a formação de gemas florais e antecipa e aumenta a formação de botões florais.

Para o crescimento sustentado do cultivo irrigado no País, tanto o poder público quanto a indústria e os produtores devem estabelecer programas com ações integradas e sequenciais, demandando dos governos Federal, Estadual e Municipal uma política regional de apoio financeiro à pesquisa de irrigação em cultivares de alto potencial produtivo sob condições ótimas de adubação e de fitossanidade.

Produtividade na agricultura irrigada

No Brasil, dispõe-se de poucos trabalhos que visam à obtenção de funções de produção água-cultura das culturas irrigáveis nas diversas regiões.

A seguir, são apresentados alguns resultados de trabalhos direcionados para a obtenção de funções de produção que tiveram a orientação do autor deste capítulo na Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf).

Trabalho 1 – Realizado em Campos dos Goytacazes, RJ, em 1996, teve como objetivo determinar funções de produção da cana-de-açúcar em relação à lâmina de irrigação (SOUSA, 1997).

Relação entre produtividade de colmos e irrigação

Na Figura 2 tem-se a relação entre produtividade de colmos e lâmina total aplicada. À medida que se aumentou a quantidade de água aplicada (irrigação + precipitação efetiva), houve incrementos positivos de produtividade até atingir um valor máximo. Após esse valor, houve decréscimo de rendimento com o aumento da lâmina total aplicada.

Figura 2.

Figura 2. Produtividade da cana-de-açúcar em colmos, em função da lâmina total de água, para a variedade RB72454 (rendimento agrícola).

Fonte: Sousa (1997).

Isso pode ser explicado pelo fato de a água ser um fator limitante à produção. À medida que se aumenta sua disponibilidade, a cultura pode expressar melhor o seu potencial produtivo até um determinado ponto, após o qual a produtividade passa a decrescer, por causa do excesso de água no solo, da baixa aeração na zona radicular e a lixiviação de nutrientes. O incremento de produtividade de colmo foi de 68 t ha-1.

Relação entre produtividade de açúcar e irrigação

Na Figura 3 tem-se a relação entre produtividade de açúcar e lâmina total aplicada. À medida que se aumentou a quantidade de água aplicada, houve incrementos positivos de produtividade até atingir um valor máximo. Após esse valor, houve decréscimo de rendimento com o aumento de lâmina total aplicada.

O rendimento industrial foi obtido multiplicando-se o teor de açúcar medido em cada parcela pela produtividade correspondente. Não foi identificada diferença significativa nos teores de açúcar entre as parcelas em relação à quantidade de água aplicada. O rendimento em açúcar (rendimento industrial) seguiu o mesmo comportamento do rendimento em colmos. O acréscimo em açúcar foi de 10 t ha-1.

Figura 3.

Figura 3. Rendimento de açúcar em função da lâmina total de água para a variedade RB72454 (rendimento industrial).

Fonte: Sousa (1997).

Trabalho 2 – Realizado em São Francisco do Itabapoana, RJ, em 1996–1997, teve como objetivo determinar funções de produção da goiabeira em relação à lâmina total de água (SOUSA, 1997).

Na Figura 4 tem-se a relação entre produtividade comercial da goiabeira e lâmina total aplicada. À medida que se aumentou a quantidade de água aplicada, houve incrementos positivos de produtividade até atingir um valor máximo. Após esse valor, houve decréscimo de rendimento com o aumento da lâmina total aplicada.

Figura 4.

Figura 4. Estimativa de produtividade comercial da goiabeira, em kg planta-1, em função da lâmina total de água.

Fonte: Sousa (1997).

Trabalho 3 – Realizado em Campos dos Goytacazes, RJ, em 1996–1997, teve como objetivo determinar funções de produção do maracujazeiro em relação à lâmina total de água (MARTINS, 1998).

Na Figura 5 tem-se a relação entre produtividade comercial do maracujazeiro e lâmina total aplicada. À medida que se aumentou a quantidade de água aplicada, houve incrementos positivos de produtividade até atingir um valor máximo. Após esse valor, houve decréscimo de rendimento com o aumento da lâmina total aplicada.

Figura 5.

Figura 5. Estimativa da produtividade comercial do maracujazeiro, em t ha-1 em função da lâmina total de água.

Fonte: Martins (1998).

Trabalho 4 – Realizado em Campos dos Goytacazes, RJ, em 1998–2000, teve por objetivo a determinação das funções de produção do mamoeiro papaya em relação à lâmina total de água (ALMEIDA, 2000).

Na Figura 6 tem-se a relação entre produtividade total do mamoeiro papaya e lâmina total aplicada, em 16 meses de cultivo. À medida que se aumentou a quantidade de água aplicada, houve incrementos positivos de produtividade total até atingir um valor máximo. Após esse valor, houve decréscimo de rendimento com o aumento da lâmina total aplicada.

Figura 6.

Figura 6. Estimativa da produtividade total do mamoeiro papaya, em t ha-1, em função da lâmina total de água em 16 meses de cultivo (8 meses de colheita).

Fonte: Almeida (2000).

Trabalho 5 – Realizado em Campos dos Goytacazes, RJ, de abril de 2006 a maio de 2007, objetivou a avaliação do efeito das diferentes lâminas de água na produtividade do mamoeiro híbrido Uenf/Caliman 01 na região Norte Fluminense (POSSE et al., 2007a).

Na Figura 7 tem-se a relação entre produtividade de frutos comerciais do mamoeiro híbrido Uenf/Caliman 01 e lâmina total aplicada.

Figura 7.

Figura 7. Relação entre a lâmina aplicada e a produtividade de frutos comerciais do mamoeiro híbrido Uenf/Caliman 01 cultivado na região Norte Fluminense, em 13 meses de cultivo e com 4 meses de colheita.

Fonte: Posse et al. (2007a).

À medida que se aumentou a quantidade de água aplicada, houve incrementos positivos de produtividade até atingir um valor máximo.

Nesse caso a produtividade aumentou com a quantidade de água aplicada até a lâmina total de 1.450 mm. Os tratamentos não possibilitaram caracterizar o decréscimo da produção com maiores lâminas aplicadas.

Trabalho 6 – Realizado em Campos dos Goytacazes, RJ, de abril de 2006 a agosto de 2007, teve como objetivo a determinação do coeficiente da cultura (Kc) do mamoeiro híbrido Uenf/Caliman 01, determinando a evapotranspiração da cultura pelo lisímetro de pesagem e a evapotranspiração de referência pelo método de Penman-Monteith FAO (POSSE et al., 2007b).

Na Figura 8 tem-se a variação do coeficiente de cultivo (Kc) até os 450 dias após o transplantio (DAT) do mamoeiro híbrido Uenf/Caliman 01. O Kc médio variou de 0,81 no primeiro período a 1,34 no terceiro, com uma variação linear entre esses limites no segundo período.

Figura 8.

Figura 8. Variação do coeficiente de cultivo (Kc) e do diâmetro de copa (DC) em função dos dias após o transplantio (DAT) do mamoeiro híbrido Uenf/Caliman 01, cultivado na região Norte Fluminense.

Fonte: Posse et al. (2007b).

Considerações finais

Conforme já afirmado, na agricultura irrigada o fator água deve ser otimizado para possibilitar maior obtenção de produtividade. Para tanto, de acordo com o que foi demonstrado por meio das Figuras 1 a 8, o conhecimento das funções de produção água-cultura é fundamental para auxiliar nas decisões, visto que essas funções possibilitam determinar o efeito da lâmina total aplicada na obtenção da produtividade; também permitem a escolha de soluções mais condizentes com a realidade regional, por meio do manejo racional da irrigação em bases técnicas, econômicas e ambientais, esta fundamentada principalmente na otimização e uso eficiente da água, obedecendo assim os preceitos básicos de sustentabilidade do ambiente agrícola.

Referências

ALMEIDA, F. T. Resposta do mamoeiro (Carica papaya L.) do grupo solo, a diferentes lâminas de irrigação no Norte Fluminense. 2000. 125 f. Tese (Doutorado em Produção Vegetal) – Universidade Estadual do Norte Fluminense, Campos dos Goytacazes, 2000.

BERNARDO, S. Irrigação e produtividade. In: FARIA, M. A.; SILVA, E. L.; VILELA, L. A. A.; SILVA, A. M. (Ed.). Manejo de irrigação. Lavras: Editora da Universidade Federal de Lavras,1998. p. 117–132.

BERNARDO, S.; SOARES, A. A.; MANTOVANI, E. C. Manual de irrigação. 8. ed. Viçosa: Editora da Universidade Federal de Viçosa, 2006. 625 p.

MARTINS, D. P. Resposta do maracujazeiro amarelo (Passiflora edulis Sins var. flavicarpa) a lâminas de irrigação e doses de nitrogênio e potássio. 1998. 84 f. Tese (Doutorado em Produção Vegetal) – Universidade Estadual do Norte Fluminense, Campos dos Goytacazes, 1998.

POSSE, R. P.; BERNARDO, S.; SOUSA, E. F.; PEREIRA, M. G.; MONNERAT, P. H.; GOTTARDO, R. D.; MARINHO, A. B. Produtividade do mamoeiro híbrido Uenf/Caliman01 sob diferentes lâminas de irrigação cultivados na região norte do Estado do Rio de Janeiro. In: OLIVEIRA, J. G.; VIANA, A. P.; PEREIRA, M. G. REUNIÃO DE PESQUISA DO FRUTIMAMÃO, 3., 2007, Campos dos Goytacazes. Anais... Campos dos Goytacazes: Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro, 2007a. p.169-172.

POSSE, R. P.; BERNARDO, S.; SOUSA, E. F.; PEREIRA, M. G.; MONNERAT, P. H.; GOTTARDO, R. D.; POSSE, S. C. P. Coeficiente da cultura do mamoeiro em lisímetro de pesagem. Vitória: Incaper, 2007b. Trabalho enviado ao Papaya Brasil, Vitória.

SOARES, J. M.; VIEIRA, V. J. S.; JUNIOR WF, G.; FELISMINO FILHO, A. A. A. Agrovale: uma experiência de 25 anos em irrigação da cana-de-açucar na região do Submédio São Francisco. Revista ITÉM, Brasília, DF, n. 60, p. 55-62. 2003.

SOUZA, E. F. Função de produção da cana-de-açúcar e da goiabeira em relação à irrigação. 1997. 119 f. Tese (Doutorado em Produção Vegetal) – Campos dos Goytacazes, Universidade Estadual do Norte Fluminense, 1997.

SPERLING, M. von. Introdução à qualidade das águas e ao tratamento de esgotos. Belo Horizonte: Editora da Universidade Federal de Minas Gerais. 1995. 240 p.