CAPÍTULO 6

UTILIZAÇÃO DE MODELOS AGROCLIMATOLÓGICOS E AGROMETEOROLÓGICOS NO PLANEJAMENTO E NA GESTÃO AMBIENTAL, POR MEIO DA REDUÇÃO DE RISCOS NA AGRICULTURA

Jurandir Zullo Jr.

Hilton Silveira Pinto

Eduardo Delgado Assad

Introdução

Este capítulo ilustra como a aplicação de modelos agroclimatológicos e agrometeorológicos podem ser úteis no planejamento e na gestão agroambiental, por meio da redução dos riscos de perdas na agricultura. Informações agroclimatológicas, como as disponíveis em zoneamentos de riscos agrícolas, são úteis para o planejamento adequado das culturas a serem plantadas em determinada região de forma a minimizar os riscos adversos à sua condução e, consequentemente, ao meio ambiente. O Programa de Zoneamento Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), que está em vigor desde a safra de inverno de 1995, é um exemplo da aplicação prática e efetiva de um sistema desse tipo. A utilização de dados e informações agrometeorológicas permite um acompanhamento detalhado das condições agroambientais envolvidas na condução de uma determinada cultura agrícola, auxiliando na tomada de decisões que deve ser feita de forma rotineira, diária e continua e que impactam o meio ambiente, tais como os tratamentos fitossanitários, o manejo do solo, a colheita e a irrigação. O Agritempo é um exemplo de um sistema que pode ser utilizado de forma efetiva no monitoramento agrometeorológico, pois disponibiliza uma série de produtos úteis para essa finalidade, de forma gratuita na internet, para todos os estados brasileiros, com atualização diária e automática.

Zoneamento de riscos climáticos

As altas taxas de perdas registradas na agricultura brasileira até meados da década de 1990 limitavam drasticamente seu desenvolvimento, pois estavam tornando a atividade agrícola economicamente inviável. Segundo Göepefert et al. (1993), as perdas na safra 1992/1993 foram da ordem de 30% para o arroz e 21% para o feijão, em São Paulo, 37% para o milho e 29% para a soja, na Bahia, e 81% para o algodão herbáceo e 32% para a soja irrigada, no Nordeste. A chuva excessiva na colheita e a seca na fase crítica das culturas eram responsáveis por aproximadamente 95% das perdas agrícolas no País. Além do fator econômico, as perdas agrícolas também têm um efeito indesejado sobre o meio ambiente, pois dificultam a adoção de práticas e técnicas adequadas de proteção do solo e do ambiente ao reduzirem os ganhos e a renda dos produtores.

Os calendários de plantio que compõem o Zoneamento Agrícola são revisados e atualizados anualmente com a inclusão de novas culturas e/ou cultivares, com o aumento das bases de dados climáticos, com a utilização de novas técnicas de interpolação e em função das condições climáticas possíveis na próxima safra. Essa contínua revisão e atualização do Zoneamento Agrícola aumentam a precisão dos seus resultados e tornam-no cada vez mais útil para os agricultores. Oscilações climáticas, tais como as atribuídas aos fenômenos El Niño e La Niña, que podem influenciar a safra agrícola em determinadas regiões do País, têm sido normalmente consideradas durante a elaboração do Zoneamento Agrícola. Avaliações do impacto que as mudanças climáticas previstas para os próximos 100 anos pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), em seu relatório de 2001 (IPCC, 2001a, 2001b), podem provocar na aptidão agroclimática atual da cultura de café no Brasil foram apresentadas por Assad et al. (2004), baseando-se na metodologia utilizada no Programa de Zoneamento Agrícola.

O Zoneamento Agrícola está baseado na integração de modelos de simulação de crescimento e desenvolvimento de culturas, bases de dados de clima e solo, técnicas de análise de decisão e ferramentas de geoprocessamento (CUNHA; ASSAD, 2001). Serão apresentadas, nas próximas seções, as metodologias utilizadas para a definição do zoneamento agroclimático do café (Coffea arabica L.) e do milho (Zea mays. L.). Essas culturas foram escolhidas por serem duas das mais importantes do Brasil e, também, pelo fato de terem características diferentes quanto ao período de plantio, ou seja, uma é perene (café) e a outra é anual (milho). Optou-se por utilizar o Estado de São Paulo como área-teste por ser uma região agrícola importante do País e, também, por ser uma das regiões com maior disponibilidade de dados para a definição dos zoneamentos.

Zoneamento agroclimático para a cafeicultura no estado de São Paulo

As áreas aptas ao cafeeiro arábica (Coffea arabica L.), segundo as necessidades climáticas apresentadas por Camargo et al. (1977), Seção de Climatologia Agrícola (1972) e Instituto Brasileiro do Café (1977, 1986) são aquelas em que:

a) A temperatura média anual está entre 18 °C e 22 °C.

b) A deficiência hídrica anual está entre 0 mm e 100 mm.

c) A probabilidade de geadas é menor ou igual a 25%.

Áreas em que, dos itens acima, apenas a probabilidade de geadas é superior a 25% são consideradas aptas com restrição às geadas. Áreas em que a temperatura média anual fica entre 22 °C e 23 °C, mas os dois outros itens são atendidos, são consideradas aptas com restrição térmica. Naquelas em que a deficiência hídrica fica entre 100 mm e 150 mm e a temperatura média anual está entre 22 °C e 23 °C são consideradas aptas com restrições hídrica e térmica, recomendando-se a irrigação. Com base nesses parâmetros, Pinto et al. (2001) definiram as áreas aptas para a cultura do café arábica (Coffea arabica L.) no Estado de São Paulo, conforme esquematizado na Figura 1. Observa-se que a metodologia é baseada no cruzamento de três planos principais de informações (deficiência hídrica anual, risco de ocorrência de geadas e temperatura média anual) definidos a partir da combinação de dados de campo com modelos numéricos.

A deficiência hídrica anual foi obtida a partir da simulação de balanços hídricos climáticos, onde os dados de temperatura média mensal foram estimados a partir das equações apresentadas por Pinto et al. (1972) e os valores da precipitação média mensal foram calculados a partir da série de dados pluviométricos obtida junto ao Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee) do Estado de São Paulo. Esses dados foram depurados e consistidos pelo Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas Aplicadas à Agricultura, da Universidade Estadual de Campinas (Cepagri/Unicamp), sendo utilizadas 390 estações, correspondentes a séries homogêneas e uniformes de 1961 a 1990, distribuídas conforme apresentado na Figura 2.

Os valores de temperatura média mensal e anual foram calculados a partir da aplicação das equações propostas por Pinto et al. (1972) à base altimétrica do United States Geological Survey (USGS) (USGS, 2001), que corresponde a uma grade altimétrica uniforme de 30” x 30” de grau ou 800 m x 800 m de distância.

A probabilidade de geadas foi estimada a partir do modelo proposto por Camargo et al. (1993), considerando-se que o início de danos às folhas do cafeeiro ocorre quando as temperaturas no abrigo meteorológico ficam abaixo de 1 °C (PINTO et al., 1977, 1983).

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Figura 1. Fluxograma da metodologia utilizada no zoneamento de riscos climáticos da cafeicultura no Estado de São Paulo.

De acordo com esta metodologia, o potencial atual de cultivo econômico do café arábica (Coffea arábica L.) em São Paulo é da ordem de 39,4% da área do estado, ou seja, 97.848 km². Além disso, 57.428 km² (23,1%) correspondem a áreas consideradas restritas por geadas e 39.604 km² (15,9%) restritas por temperaturas elevadas. Em 706 km² (0,3%) recomenda-se a irrigação e em 53.013 km² (21,3%) a cultura é considerada inapta.

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Figura 2. Distribuição espacial da rede de estações pluviométricas do Centro Tecnológico de Hidráulica (Daee/CTH/SP) utilizada no zoneamento agrícola.

A Figura 3 apresenta o zoneamento climático atual para a cafeicultura no Estado de São Paulo. Metodologia semelhante foi utilizada para a definição do zoneamento do café no Paraná (CARAMORI et al., 2001), em Minas Gerai (SEDIYAMA et al., 2001), em Goiás e no sudoeste da Bahia (ASSAD et al., 2001).

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Figura 3. Zoneamento climático para a cafeicultura no Estado de São Paulo.

Fonte: Assad et al. (2004).

Zoneamento de riscos climáticos para a cultura de milho (Zea mays L.) no Estado de São Paulo

A metodologia utilizada no zoneamento de riscos climáticos do milho no Estado de São Paulo foi baseada no processamento de balanços hídricos sequenciais, calculados para períodos de 10 dias (decêndios), desde o plantio até a maturação da cultura.

O ciclo vegetativo foi subdividido em quatro fases fenológicas: desenvolvimento inicial (fase I), crescimento vegetativo (fase II), florescimento e enchimento de grãos (fase III) e maturação (fase IV). A duração do ciclo fenológico foi estimada em função das exigências térmicas nos subperíodos emergência-florescimento e emergência-início de maturação, considerando-se uma temperatura base de 8 °C e 10 °C, respectivamente, em cada subperíodo. A diferença entre esses dois subperíodos foi utilizada para definir o tamanho da fase reprodutiva (fase III – florescimento e enchimento de grãos). A duração da fase vegetativa (fase II) foi definida como sendo 80% dos dias entre a germinação e o florescimento enquanto o estágio inicial (fase I) foi calculado como sendo igual a 20% dos dias entre a germinação e o florescimento, acrescido de mais seis dias. A duração da maturação (fase IV) foi igualada ao estágio inicial (fase I). A Tabela 1 apresenta os valores dos graus-dia e da temperatura basal utilizados para definir a duração das quatro fases fenológicas para três possíveis cultivares de milho.

Tabela 1. Parâmetros utilizados para definir a duração das fases fenológicas do milho para três tamanhos de ciclo diferentes.

Ciclo

Graus-dia a partir da germinação

até o florescimento (Tbasal = 8 °C)

até a maturação (Tbasal = 10 °C)

Fonte: Brunini et al. (2001).

I

862

1.237

II

780

1.190

III

780

1.075

A demanda de água e os períodos com deficiência ou excesso hídrico foram determinados utilizando-se o coeficiente de cultura (Kc) apropriado, conforme perfil padrão apresentado na Figura 4.

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Figura 4. Perfil típico utilizado para definir o coeficiente de cultura (Kc).

Um programa de balanço hídrico sequencial, denominado Bipzon [proposto por Forest (1984), testado por Assad (1986) e modificado por Vaksmann (1990)], foi utilizado para calcular o Índice de Satisfação das Necessidades de Água (Isna) – razão entre a evapotranspiração real e a evapotranspiração máxima – que representa o grau de atendimento hídrico da cultura. Valores de Isna durante a fase crítica (fase III – fase reprodutiva – florescimento e enchimento de grãos), para uma frequência mínima de 80% dos balanços hídricos calculados, foram espacializados utilizando um Sistema de Informações Georreferenciadas (SIG) para determinar a viabilidade de um determinado período de plantio: favorável – para valores de Isna iguais ou superiores a um valor de corte estabelecido, ou desfavorável – para valores de Isna inferiores ao valor de corte. Foram consideradas apenas culturas sob regime de sequeiro, sendo utilizados três valores para a reserva máxima de água utilizável pelas plantas nos balanços hídricos, de acordo com a textura dos solos: 30 mm para solos de textura arenosa, 50 mm para solos de textura média e 70 mm para solos de textura argilosa.

Os dados pluviométricos utilizados foram os mesmos do zoneamento do café, ou seja, 390 estações do Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee) do Estado de São Paulo, correspondentes ao período de 1961 a 1990, conforme distribuição espacial apresentada na Figura 2.

A evapotranspiração potencial foi calculada utilizando o método proposto por Thornthwaite e Matter (1955) e adaptado por Camargo e Camargo (1983), baseado na temperatura média mensal. Esses valores foram estimados a partir das equações apresentadas por Pinto et al. (1972), utilizando as coordenadas geográficas (altitude, latitude e longitude) das estações pluviométricas.

Logo, as regiões e épocas aptas ao cultivo do milho no Estado de São Paulo são aquelas em que (BRUNINI et al., 2001):

a) O Isna, calculado a partir da relação entre a evapotranspiração real (ETR) e a evapotranspiração máxima (ETM), é igual ou superior a 0,55 na fase crítica da cultura (florescimento e enchimento dos grãos – fase III), para uma frequência de ocorrência igual ou superior a 80% dos casos analisados.

b) A temperatura mínima média durante todo o ciclo é igual ou superior a 10 °C.

c) A duração econômica máxima do ciclo é de 150 dias para cultivares precoces e superprecoces, e 165 para cultivares normais.

Os riscos de geada e insuficiência térmica também foram incorporados ao estudo, permitindo quantificar e qualificar áreas e épocas adequadas à semeadura do milho com 80% de probabilidade de sucesso em relação à redução de riscos climáticos. A Figura 5 apresenta um fluxograma simplificado dessa metodologia, que é, praticamente, a mesma utilizada na região Centro-Sul do Brasil.

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Figura 5. Fluxograma da metodologia utilizada no zoneamento de riscos climáticos do milho no Estado de São Paulo.

O número total de simulações do balanço hídrico sequencial necessário para a definição do zoneamento da cultura do milho no Estado de São Paulo, para três tamanhos de ciclo diferentes (normal, precoce e superprecoce), plantados em três tipos de solos definidos a partir da textura (arenosos, médios e argilosos), de setembro a fevereiro, foi da ordem de 2,5 milhões, considerando a utilização de dados das 390 estações pluviométricas do Daee/CTH/SP.

As Tabelas 2, 3 e 4 apresentam os parâmetros utilizados no zoneamento das culturas do arroz, feijão, trigo e soja no Estado de São Paulo.

Tabela 2. Duração das fases fenológicas do feijão, arroz, soja e trigo.

Cultura

Fase e duração (em dias)

Total

Inicial I

Vegetativa II

Reprodutiva III

Maturação IV

Feijão

90

10

40

30

10

Arroz

135

40

50

30

15

115

35

40

30

10

Soja

135

20

40

45

30

115

20

30

35

30

Trigo

130

10

50

50

20

120

10

40

50

20

Tabela 3. Testes térmicos.

Cultura

Teste

Feijão

Tmédia 10 °C, durante ciclo

(Tmáx)média 30 °C, durante fase reprodutiva

Arroz

(Tmín)média 15 °C, durante ciclo

Soja

(Tmín)média 14 °C, durante ciclo

Trigo

(Tmín)média 9 °C, durante ciclo

(Tmáx)média 28 °C, durante fase reprodutiva

Tabela 4. Parâmetros do Zoneamento.

Cultura

Capacidade deretenção de água no solo (mm)

Valor de corte do Isna

Período de plantio

Duração do ciclo

(dias)

Feijão

30 (solos arenosos)

50 (solos médios e argilosos)

0,5

Ago. a set.

90

Arroz

30 (solos arenosos)

50 (solos médios e argilosos)

0,5

Out. a dez.

135 (normal)

115 (precoce)

Soja

30 (solos arenosos)

50 (solos médios)

70 (solos argilosos)

0,5

Out. a dez.

135 (normal)

115 (precoce)

Trigo

30 (solos arenosos)

50 (solos médios)

70 (solos argilosos)

0,5

Mar. a maio

130 (normal)

120 (precoce)

O número total de simulações, em função dos parâmetros apresentados nessas tabelas, foi da ordem de 500 mil para o feijão, 600 mil para a soja, 450 mil para o trigo e 400 mil para o arroz. Os resultados completos dos zoneamentos realizados, contendo os períodos aptos por cultura, tipo de solo e tamanho de ciclo, para todos os estados brasileiros, estão disponíveis na página do site do Agritempo1, em forma de mapas e tabelas. Produtos específicos por cultura também foram preparados por unidades da Embrapa, contendo os resultados do zoneamento para todos os estados brasileiros. Como exemplo, cita-se os produtos disponíveis para o trigo, o milho e a soja.

O Zoneamento tem sido utilizado pelo Governo Federal na concessão do crédito agrícola desde 1995, produzindo os seguintes resultados, segundo Rossetti (2001):

a) Redução das perdas agrícolas causadas pelos fenômenos climáticos adversos.

b) Inibição e diminuição de fraudes na utilização de recursos oficiais.

c) Indução de tecnologia.

d) Aumento da produtividade.

e) Acréscimo do ganho e da renda dos produtores.

f) Disponibilidade de dados úteis ao planejamento da agricultura brasileira.

g) Redução dos recursos oficiais utilizados para a cobertura das perdas, da ordem de R$ 150 milhões por ano.

Ou seja, são fatores que, na maior parte dos casos, têm efeito direto e positivo sobre o meio ambiente.

Monitoramento agrometeorológico

Os períodos aptos para o plantio definidos nos zoneamentos de riscos climáticos das culturas anuais, descritos acima, têm, normalmente, duração de alguns decêndios, que podem chegar até mesmo a um ou dois meses, quando as condições ambientais (clima e solo) forem extremamente favoráveis para a cultura, segundo os parâmetros agrometeorológicos definidos e utilizados nos cálculos. Sendo assim, o agricultor tem opções para escolher o período mais adequado para o plantio, dentre as datas aptas definidas pelo zoneamento.

Um dos principais fatores que define essa escolha é o início efetivo da estação chuvosa no Centro-Sul do Brasil, que ocorre, normalmente, a partir do mês de outubro. Considera-se que as condições estão favoráveis para o plantio quando o solo contém pelo menos 60% de sua capacidade máxima de retenção de água e há perspectiva de chuvas para as duas semanas subsequentes à data de interesse. Trata-se, portanto, de uma informação de caráter meteorológico, necessária para a tomada de uma das decisões fundamentais referentes à condução de uma cultura agrícola que é a data de plantio. Um plantio mal-sucedido pode provocar uma série de impactos sobre o ambiente, além dos predominantemente econômicos, por causa da perda das sementes e dos insumos utilizados que deverão ser novamente aplicados no caso de um novo plantio. Além disso, os programas de seguro agrícola existentes atualmente, tais como o Proagro, costumam ter validade somente após a emergência das plantas. Isso praticamente obriga o agricultor a combinar adequadamente informações climáticas, vindas do zoneamento, com agrometeorológicas, desde o início da condução da cultura, para que seja bem-sucedido em sua atividade.

Durante o ciclo da cultura, outras informações agrometeorológicas tornam-se importantes para o agricultor em função do estágio de desenvolvimento das plantas, tais como: condições para o manejo do solo, necessidade de irrigação, condições para tratamento fitossanitário, risco de geada (no outono e no inverno), e condições para colheita. Todas essas informações têm impacto direto sobre o retorno econômico da cultura e são, também, fundamentais para uma gestão agroambiental adequada, pois se referem à água, ao solo e à tecnologia de produção (máquinas, irrigação e produtos químicos).

Produtos agrometeorológicos, como os citados acima, são baseados, fundamentalmente, em dados diários de chuva e temperatura (máxima e mínima), na previsão do tempo (especialmente de chuva, temperatura, umidade relativa e vento) e no processamento de balanços hídricos sequenciais. O avanço da meteorologia nacional na última década, e a melhoria das redes de coletas de dados meteorológicos, com o aumento do número de estações automáticas, têm permitido a geração de produtos agrometeorológicos com maior precisão e qualidade. Aliado a isso, a internet tem facilitado sobremaneira a disseminação dos produtos gerados por meio dos sistemas de informações agrometeorológicas.

Como exemplo de um sistema deste tipo cita-se o site do Agritempo desenvolvido pela Embrapa Informática Agropecuária e pelo Cepagri/Unicamp. O Agritempo disponibiliza informações meteorológicas e agrometeorológicas dos municípios e estados brasileiros, de forma gráfica e textual, atualizadas automaticamente duas vezes por dia. Seus produtos podem ser divididos em dois grandes grupos:

a) Produtos de Monitoramento: estiagem (dias sem chuvas), estiagem agrícola (dias sem chuvas maiores que 10 mm), água disponível no solo, precipitação, precipitação acumulada, evapotranspiração, temperatura média, temperatura mínima média, temperatura máxima média, temperatura mínima absoluta, temperatura máxima absoluta.

b) Produtos de Previsão: condições para tratamento fitossanitário, necessidade de irrigação, condições para manejo do solo, condições para colheita, temperatura mínima nos próximos cinco dias, temperatura máxima nos próximos cinco dias, precipitação nos próximos cinco dias, risco de geada (no outono e no inverno).

O desenvolvimento do sistema baseou-se na aplicação de conceitos da metodologia conhecida por Extreme Programming (EP) (EXTREME PROGRAMMING, 2002), utilizando a infraestrutura do serviço World Wide Web (WWW) da internet, a tecnologia JavaTM Servlet e a plataforma Oracle® de banco de dados. A metodologia do EP pode ser resumida como um método disciplinado de desenvolvimento de sistemas, adequada para projetos com requerimentos dinâmicos, equipe pequena e necessidade de desenvolvimento rápido.

O sistema utiliza dados de previsão meteorológica (de 24 horas até 96 horas) que são coletados duas vezes por dia diretamente pela internet, sem interferência humana, segundo metodologia apresentada por Otavian et al. (2003). Os dados das estações meteorológicas, atualizados diariamente, e os dados de previsão meteorológica são utilizados para a geração dos produtos agrometeorológicos na forma de mapas ou boletins, conforme demanda do usuário (EVANGELISTA et al., 2003).

Os dados meteorológicos utilizados no Agritempo são coletados por diversas instituições oficiais e particulares, através de estações mecânicas e automáticas, sendo armazenados em um banco de dados Oracle® (ORACLE, 2002). A entrada dos dados pode ser manual (por meio de tabelas em papel), semiautomática (baseada na digitação de arquivos) ou automática (utilizando arquivos gerados pelas estações automáticas).

A multiplicidade de fontes e de modos de entrada faz com que o processo de armazenamento dos dados no banco não seja trivial e requeira um procedimento de migração com soluções diferenciadas para cada instituição fornecedora de dados. Além da migração, faz-se, também, a verificação crítica dos dados recebidos antes de sua inserção no banco e a estimativa dos dados errantes ou faltantes, segundo a metodologia apresentada por Santos et al. (2003).

Desse modo, criou-se um mecanismo automático e viável para todas as instituições sem alterar sua rotina de trabalho e propiciando agilidade na entrada de dados, eliminação dos erros decorrentes de digitação e verificação crítica dos dados recebidos (ROMANI et al., 2003b).

As imagens e dados de satélites são alternativas que podem suprir e complementar a coleta dos dados meteorológicos em virtude da dificuldade envolvida na operação e manutenção das estações de superfície. Satélites como o AVHRR/NOAA e o GOES são sistemas orbitais que deverão ser cada vez mais utilizados na geração de produtos agrometeorológicos. Alguns desses produtos podem ser encontrados, ainda em fase experimental, na página do Centro de Previsão de Tempo e Estudos Climáticos do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (CPTEC/Inpe)2. O Cepagri/Unicamp opera um sistema de recepção de imagens do AVHRR/NOAA desde dezembro de 1994, possuindo um dos maiores acervos de imagens desse satélite no Brasil. Trata-se de um banco de imagens que será fundamental para a geração de produtos agrometeorológicos cada vez mais abrangentes, precisos e úteis.

A arquitetura utilizada para a geração de mapas é baseada no sistema Surfer® (KECKLER, 1997) e na tecnologia Java servlets, que consiste numa série de programas carregados dinamicamente para atender às solicitações do servidor Apache Tomcat (servidor Web oficial para tecnologias Java servlets e Java Server Pages) (ROMANI et al., 2003a).

Todo o desenvolvimento do sistema Agritempo visa, principalmente, a gerar produtos com a menor intervenção humana possível e com a melhor qualidade que a tecnologia e os dados disponíveis permitirem. Esse serviço está no ar desde 2003 e vem sendo continuamente melhorado por seus desenvolvedores.

Como exemplos de outros sistemas de informações que podem ser utilizados para a tomada de decisões visando ao planejamento e à gestão agroambiental, pode-se citar o do próprio Cepagri/Unicamp3, o do CPTEC/Inpe4 e o do Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet)5. O Cepagri/ Unicamp, além de ser desenvolvedor do Agritempo, mantém um dos serviços pioneiros de fornecimento de dados e informações agrometeorológicas por meio da internet, funcionando ininterruptamente desde maio de 1995. O INMET e o CPTEC/Inpe têm uma ênfase maior na meteorologia, mas também possuem produtos voltados à agricultura.

Considerações finais

O Programa de Zoneamento Agrícola ilustra bem o impacto que uma informação gerada com qualidade, critério e embasamento científico, como a data de plantio, pode ter quando utilizada adequadamente. Os resultados apresentados, tais como a redução de perdas, os aumentos da produtividade, da renda e do ganho dos agricultores e a indução de tecnologia, ilustram bem essa situação. Todos esses fatores têm impacto direto sobre o meio ambiente e devem ser considerados no planejamento ambiental.

A combinação das informações advindas do Zoneamento Agrícola com as provenientes dos sistemas de monitoramento agrometeorológico reduz substancialmente os riscos associados ao clima e ao tempo na agricultura e, por isso, é uma metodologia que deve ser considerada na gestão adequada dos recursos envolvidos na produção agrícola, especialmente da água e do solo.

Referências

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