Capítulo 1
Conceitos e aplicações
Marco Antonio Ferreira Gomes
Lauro Charlet Pereira
Anderson Soares Pereira
Marta Camargo de Assis
Emília Hamada
Maria Leonor Ribeiro Casimiro Lopes Assad
Com o surgimento de uma demanda sobre o uso sustentável das áreas de recarga do Aquífero Guarani, a partir de uma proposta de agenda básica apresentada em Curitiba em 1996 (Rocha, 1996), a Embrapa Meio Ambiente propôs, em 1999, um trabalho com abrangência para todas as áreas de recarga em território brasileiro. Esse trabalho, com duração de três anos, aliado a outros posteriores (EMBRAPA, 2002, 2006a, 2006b), possibilitou o levantamento de informações sobre geologia, solos, relevo, vegetação, dados de clima e de uso agrícola em escalas de maior detalhe. A integração dessas informações permitiu a definição das áreas de recarga direta em Domínios Pedomorfoagroclimáticos, importantes nos estudos para proposição do ordenamento agroambiental ora em questão, cujas informações podem ser observadas mais detalhadamente no capítulo 1, parte 2, deste livro.
O princípio metodológico simplificado para a caracterização dos domínios leva em conta as atividades agrícolas dominantes, as quais já indicam previamente a carga potencial de entrada de insumos ou agroquímicos, aliada ao manejo do solo; assim, podem ser definidas as áreas que oferecem maiores riscos, tanto em relação à contaminação do lençol freático quanto em relação aos processos erosivos, conforme ilustração da Figura 1.
Figura 1. Esquema adotado para identificação prévia e seleção das áreas críticas por Domínio Pedomorfoagroclimático, considerando cenários de riscos de contaminação e de processos erosivos a partir de três sistemas de uso agrícola principais.
Informações adicionais, tais como precipitação pluviométrica e tipo de solo, permitem uma caracterização de risco em escala genérica, de pouco detalhe, a exemplo do que foi feito para toda a área de recarga direta em território brasileiro – Figura 2 (Embrapa, 2002). Essa caracterização funda-mentou-se em três níveis: baixo, médio e alto, conforme o tipo de atividade agrícola predominante em cada um dos domínios estabelecidos para essas áreas.
Figura 2. Mapa de riscos potenciais de contaminação da água subterrânea do Aquífero Guarani por Domínio Pedomorfoagroclimático (escala 1:5.000.000).
Fonte: mapa obtido da base proposta por Araújo et al. (1995).
Ao se considerar uma escala de maior detalhe (1:25.000 e 1:50.000), o acréscimo de informações torna-se fundamental, como se observa na Tabela 1, onde foram inseridos parâmetros como condutividade hidráulica e profundidade do nível d’água.
Tabela 1. Classificação dos riscos potenciais de contaminação da água subterrânea nas áreas de recarga do Aquífero Guarani, em quatro estados brasileiros, considerando a presença de cinco herbicidas.
Produto aplicado |
Quantidade (L ha-1) |
Características do produto |
Cultura |
Estado |
Área (ha) |
Precipitação média(3) (mm ano-1) |
Condutividade hidráulica(1) (cm h-1) |
Vulnerabilidade |
||
Nível d’água(2) NA (m) |
Índice |
Risco potencial(4) de contaminação da água subterrânea |
||||||||
Imazetapir |
1,0 |
Koc = 10; t½ = 90 dias |
Soja |
Goiás |
4.000 |
1.863 |
Alta |
<10 |
ALTO alto (Aa) |
Alto |
10–20 |
ALTO baixo (Ab) |
Médio/alto |
||||||||
>20 |
MÉDIO alto (Ma) |
Médio |
||||||||
Atrazina |
1,5 |
Koc = 100; t½ = 60 dias |
Milho |
Goiás |
10.000 |
1.863 |
Média/alta |
<10 |
ALTO alto (Aa) |
Médio |
10–20 |
ALTO baixo (Ab) |
Médio/baixo |
||||||||
>20 |
MÉDIO alto (Ma) |
Baixo |
||||||||
1,0 |
Milho |
Mato Grosso |
5.800 |
2.130 |
Média/alta |
<10 |
ALTO alto (Aa) |
Médio/alto |
||
10–20 |
ALTO baixo (Ab) |
Médio |
||||||||
>20 |
MÉDIO alto (Ma) |
Baixo |
||||||||
2,0 |
Milho |
Mato Grosso do Sul |
2.600 |
1.460 |
Alta |
<10 |
ALTO alto (Aa) |
Médio |
||
10–20 |
ALTO baixo (Ab) |
Médio/baixo |
||||||||
>20 |
MÉDIO alto (Ma) |
Baixo |
||||||||
Simazina |
2,0 |
Koc = 130; t½ = 60 dias |
Milho |
Goiás |
10.000 |
1.863 |
Alta |
<10 |
ALTO alto (Aa) |
Médio |
10–20 |
ALTO baixo (Ab) |
Médio/baixo |
||||||||
>20 |
MÉDIO alto (Ma) |
Baixo |
||||||||
Tebutiuron |
1,3 |
Koc = 80; t½ = 360 dias |
Cana-de-açúcar |
São Paulo |
980.000 |
1.600 |
Alta |
<10 |
ALTO alto (Aa) |
Alto |
10–20 |
ALTO baixo (Ab) |
Médio/alto |
||||||||
>20 |
MÉDIO alto (Ma) |
Médio |
||||||||
Hexazinone |
2,3 |
Koc = 54; t½ = 90 dias |
Cana-de-açúcar |
São Paulo |
980.000 |
1.600 |
Alta |
<10 |
ALTO alto (Aa) |
Alto |
10–20 |
ALTO baixo (Ab) |
Médio/alto |
||||||||
>20 |
MÉDIO alto (Ma) |
Médio |
(1) Classificada em alta (> 25 cm h-1); média (12,5 a 25 cm h-1) e baixa (2,5 a 12,5 cm h-1), adaptado de Smith e Browing (1946) e Kramer (1969).
(2) NA < 10 m (vulnerabilidade do tipo alto-alto); NA 10 a 20 m (alto-baixo); NA > 20 (médio-alto) conforme São Paulo (1997).
(3) Média dos últimos 5 anos.
(4) Define-se aqui risco potencial como sendo o risco estimado em função da integração das informações relativas aos produtos aplicados com suas respectivas quantidades (carga contaminante estimada) com aquelas relacionadas à vulnerabilidade natural.
Fonte: Embrapa (2002).
A partir da caracterização dos riscos, por domínio, contida na Figura 2, foram selecionadas cinco áreas críticas, worst case, distribuídas em cinco estados, conforme a seguinte descrição: a) Microbacia do Córrego do Espraiado, região de Ribeirão Preto, SP – Domínio do Planalto Médio Paulista; b) Nascentes do Rio Araguaia/Microbacia dos córregos Cabeceira Alta e Buracão, Município de Mineiros, GO – Domínio da Depressão ou Nascentes do Rio Araguaia; c) Afluentes da margem direita do Rio Taquari, Município de Alcinópolis, MS – Domínio do Médio/Alto Taquari e Coxim; d) Nascentes do Rio Ivaí, Município de Cândido de Abreu, PR – Domínio do Segundo Planalto Paranaense; e) Arroio Jacaguá, margem esquerda do Rio Ibicuí, região de Alegrete, RS – Domínio da Campanha. Posteriormente, foi identificada mais uma área na região de Lages/Ponte Alta, SC, envolvendo as nascentes dos rios Caveiras e dos Cachorros, dentro do Domínio definido como Planalto Médio Catarinense, que assim servirão de estudos de caso e de suporte a uma proposta de gestão, fundamentada nos princípios de sustentabilidade.
O objetivo principal do presente trabalho foi o de desenvolver uma proposta de ordenamento agroambiental específica para as áreas de recarga direta ou de afloramento do Aquífero Guarani em território brasileiro, como subsídio a uma proposta de gestão ambiental, apoiada nas técnicas de Boas Práticas Agrícolas; para tanto, foram selecionadas duas áreas a partir das cinco descritas acima – a Microbacia do Córrego do Espraiado, Município de Ribeirão Preto, SP, no Domínio do Planalto Médio Paulista, e a região das Nascentes do Rio Araguaia no Domínio da Depressão do Araguaia.
Levantamento de informações
A seleção das duas microbacias, as quais serviram como áreas pilotos para estudo de caso e de suporte à elaboração do ordenamento agroambiental das áreas de recarga, foi realizada com base em dois critérios fundamentais: a) estar localizada em área de recarga do Aquífero Guarani e b) possuir predominância da atividade agrícola, preferencialmente intensiva, com alta entrada de insumos.
O levantamento das características fisiográficas das áreas selecionadas foi realizado por meio do material cartográfico e bibliográfico já existente, enquanto que os dados climáticos, pluviosidade e temperatura, foram obtidos a partir de dados já compilados pelo Instituto Agronômico de Campinas (IAC) para o Estado de São Paulo e junto aos levantamentos realizados pela Agenciarural de Goiás, Fundação Emas e Oréades (Núcleo de Geoprocessamento, com instituições localizadas na região das nascentes do Araguaia).
O levantamento do uso agrícola atual das áreas pilotos foi realizado a partir de imagens de satélite Landsat TM, utilizando técnicas de processamento digital de imagem (correções radiométrica e geométrica) e identificação e classificação dos diferentes alvos agrícolas, com confirmação em campo.
Esse trabalho teve como suporte básico a utilização das técnicas de geoprocessamento para o armazenamento, manipulação e integração de dados ambientais referenciados espacialmente. A elaboração dos Planos de Informação (PIs) foi feita a partir das informações citadas acima, utilizando técnicas de captura digital e de geoprocessamento para montagem do banco de dados. Nesse estudo, a entrada dos dados foi realizada através de mesa digitalizadora, utilizando o software de digitalização AutoCAD, da Autodesk Inc. Como controle da qualidade da digitalização foi adotado o Quadrado Médio do Resíduo (QMR), que é uma medida da precisão, visando garantir a qualidade dos dados no Sistema de Informação Geográfica (SIG). Os mapas foram digitalizados na projeção cartográfica Universal Transversa de Mercator (UTM).
Para o levantamento dos agrotóxicos mais utilizados foi aplicado um questionário junto ao(s) proprietário(s) rurais, técnicos e revendedores buscando informações quanto aos produtos aplicados (dose, número médio de aplicações e histórico das aplicações). Foram também levantadas informações desses agrotóxicos, a partir de dados da literatura, referentes ao princípio ativo e às características físico-químicas. Essas informações foram utilizadas, posteriormente, no cálculo do índice de GUS (Gustafson, 1989).
Avaliação da vulnerabilidade natural
O levantamento da profundidade do lençol freático nas áreas pilotos foi realizado por meio de sondagem elétrica, com o uso do método da eletrorresistividade (INSTITUTO DE PESQUISA TECNOLÓGICA, 1994), específico para a Microbacia do Córrego do Espraiado, e por catalogação de poços existentes no caso das nascentes do Rio Araguaia (EMBRAPA, 2006a), tendo como referências pontos de amostragem georreferenciados, cotas altimétricas e locais que representam mudanças de expressão no relevo da área, conforme proposição de Fernandes (1984).
O método de avaliação da vulnerabilidade natural das áreas objeto deste estudo, fundamentou-se nas proposições de Foster e Hirata (1993) e se baseou na exposição do lençol freático a uma carga contaminante, que passa a ser função de: a) profundidade do solo, que influencia na acessibilidade da carga contaminante à zona saturada e b) capacidade de atenuação da carga contaminante, controlada principalmente pelos parâmetros geológicos e de cobertura de solos, ajustados para este trabalho com inclusão de dados de condutividade hidráulica (integração de dados de textura, estrutura e profundidade do lençol freático) e declividade do solo, como também da taxa média de precipitação anual que dá indicativos do potencial do veículo condutor (água) de movimentar a suposta carga contaminante (Gomes et al., 1996, 2002a, 2002b).
A profundidade do solo foi avaliada por meio de tradagens. Análises de condutividade hidráulica foram realizadas em laboratório, adotando-se o método da coluna de solo (20 cm) saturada em água e com lâmina constante (carga hidráulica) de 2,0 cm (EMBRAPA, 1997). Informações preexistentes tais como mapas geológicos, geofísicos e geomorfológicos deram subsídios a esses estudos. Considerações específicas sobre essa abordagem para a Microbacia do Córrego do Espraiado na região de Ribeirão Preto, SP, já foram comentadas no capítulo 3, parte 2 deste livro.
A avaliação dos processos erosivos lineares (voçorocas e ravinas) nas áreas selecionadas foi feita por meio de fotointerpretação e de análise de imagens de satélite, conforme procedimentos propostos pelo Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo (DAEE) e Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT) (SÃO PAULO, 1989).
Capacidade de uso das terras
Na avaliação do potencial de uso das terras, os métodos adotados foram o Sistema de Classificação da Capacidade de Uso da Terra (Lespch et al., 1991) e o Sistema de Avaliação da Aptidão Agrícola das Terras (Ramalho Filho et al., 1995), este com adaptações conforme Pereira (2002). Nesses métodos foram utilizadas as informações de levantamento de solo (MIKLÓS; GOMES, 1996; EMBRAPA, 2006a, 2006b), bem como de classes de declividade e climáticas. Empregou-se um Sistema de Informação Geográfica (SIG), de forma a utilizar-se de suas operações espaciais. A declividade foi obtida do mapa de curvas de nível, utilizando-se de modelo de interpolação do próprio SIG e, posteriormente, separadas em classes. A determinação do balanço hídrico para as culturas predominantes nas áreas estudadas foi feita com base no modelo proposto por Franquin e Forest (1984). Os resultados obtidos pelos dois métodos foram comparados, utilizando-se as técnicas de geoprocessamento.
Apesar do método de avaliação da aptidão agrícola contemplar três níveis de manejo (A, B e C), correspondentes aos níveis tecnológicos baixo, médio e alto respectivamente, foram adotados para este trabalho apenas os níveis B e C, dado ao padrão tecnológico médio e elevado na área de estudo.
Utilizando-se do plano de informação de ocupação e uso atual, obtido de imagens recentes (2004) do satélite Landsat TM das áreas pilotos e confrontando-o com os mapas de capacidade de uso, foram obtidos os mapas de conflito das respectivas áreas.
Foram utilizados os seguintes softwares de SIG: o Idrisi for Windows, da Universidade de Clark (EUA), e o Spring, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, este último de domínio público.
Estudo dos agrotóxicos
A avaliação do potencial de contaminação de água subterrânea pelos agrotóxicos foi realizada utilizando-se o método proposto por GUS (GUSTAFSON, 1989).
Foram desenvolvidos/ajustados métodos para a determinação dos agrotóxicos selecionados na matriz água, considerando nove pontos/poços de coleta na área das nascentes do Rio Araguaia e sete pontos/poços na Microbacia do Córrego do Espraiado. Antes da análise instrumental foi necessária a execução das seguintes etapas: extração, remoção de interferentes, cleanup e pré-concentração dos agrotóxicos da matriz a fim de ajustar as concentrações do analito de interesse à sensibilidade do detector, bem como remover a maior parte dos interferentes. Assim foram testados diversos métodos de extração e pré-concentração para escolher o que fornece melhor recuperação e seletividade (cromatogramas relativamente livres de interferentes nos tempos de retenção dos compostos a serem analisados). Os extratos foram analisados por cromatografia líquida de alta eficiência (CLAE) para compostos polares e instáveis termicamente, ou cromatografia gasosa (CG) para compostos voláteis. Foram desenvolvidos e adaptados métodos da literatura para determinação de resíduos dos agrotóxicos nas matrizes de solo a fim de serem utilizados nas determinações dos seguintes parâmetros: coeficiente de adsorção do agrotóxico no solo; determinação da meia-vida e estudos de lixiviação. Foram também desenvolvidos métodos para a determinação de multirresíduos dos agrotóxicos em águas subterrâneas coletadas nas áreas de estudo, cujas descrições estão detalhadas nos capítulos 4 e 5 da parte 2 deste livro.
Risco de contaminação
O simulador CMLS-94, Chemical Movement in Layered Soils (NOFZIGER; HORNSBY, 1994), foi utilizado nas áreas pilotos em função: a) da menor quantidade de dados de entrada para sua utilização em relação a outros simuladores elaborados para o mesmo fim; b) pela facilidade de obtenção do software disponível na internet e c) pela qualidade das informações que disponibiliza como resultados (profundidade e quantidade de produto), os quais são fundamentais aos estudos de previsão de contaminação de águas subterrâneas.
Para efeito de simulações foram realizados cenários que permitem estimar a quantidade relativa de agrotóxicos presente no solo em qualquer instante de tempo, dentro do período estipulado para a simulação (3 anos), conforme informações contidas no capítulo 7, parte 2, deste livro.
Os resultados obtidos indicaram, para cada período simulado, se os agrotóxicos iriam ou não atingir profundidades comprometedoras ao lençol subterrâneo.
Os resultados obtidos dessas simulações foram inseridos como mais um Plano de Informação no SIG. Esse Plano de Informação, com as simulações realizadas, mais os Planos de Informação de Profundidades dos Lençóis e de Uso das Terras foram integrados (operações de análise geográfica) de forma a obter um mapa de alto risco de contaminação.
A partir da informação da localização das áreas pilotos, representativas dos sistemas produtivos, foram identificados os pontos de coleta das amostras de água. As coletas corresponderam a nove amostras, com frequência a cada três meses, por um período de três anos (2004–2006) para a região das nascentes do Rio Araguaia, conforme descrito no capítulo 5, parte 2 deste livro. Já para a Microbacia do Córrego do Espraiado, em Ribeirão Preto, as informações estão contidas no capítulo 4, parte 2, com a mesma frequência de coleta, diferindo da outra área apenas no número de pontos de amostragem de água que corresponde a sete.
Ordenamento agroambiental
A concepção do ordenamento agroambiental engloba a proposta de Figueiredo et al. (2000) para o zoneamento agrícola/florestal com aquela do zoneamento ambiental proposto por Ribeiro (1994) e por Becker e Egler (1997). Essa integração requer uma base de informações fundamentada em: a) levantamento das características fisiográficas e de uso agrícola das áreas a serem estudadas; b) avaliação da vulnerabilidade natural; c) classificação da capacidade de uso das terras e determinação de áreas de conflito; c) qualificação e quantificação dos agrotóxicos de maior risco para a água subterrânea; d) realização de estudos de risco de contaminação da água subterrânea; e) identificação do perfil socioeconômico e cultural dos produtores localizados nas áreas de estudo.
A Figura 3, a seguir, exibe o diagrama com a proposição do ordenamento agroambiental, considerando uma área em São Paulo e outra nas nascentes do Rio Araguaia, envolvendo os estados de Goiás e Mato Grosso.
Figura 3. Diagrama dos planos de execução para obtenção do ordenamento agroambiental.
Os resultados obtidos estão expressos nas Tabelas 2 e 3 e nos mapas das Figuras 4 e 5, respectivamente, que exibem o ordenamento agroambiental das áreas de São Paulo (Microbacia do Córrego do Espraiado) e de Goiás/Mato Grosso (nascentes do Rio Araguaia).
Tabela 2. Proposta de ordenamento agroambiental a partir da integração aptidão agrícola x vulnerabilidade natural dos solos da Microbacia do Córrego do Espraiado, região de Ribeirão Preto, SP.
Material de origem (geologia) |
Classe de solo |
Aptidão agrícola(1) (níveis de manejo B e C) |
Vulnerabilidade(2) |
Ordenamento agroambiental |
|
Basaltos (Formação Serra Geral) |
Latossolos Vermelhos Eutroférricos (LVef) |
1Bc |
Baixa / Média Média / Alta |
Áreas adequadas para cultivo anual com adoção do sistema de controle biológico de pragas e doenças (cbpd). Recomenda-se cultivo com alternância ou rotação de espécies leguminosas e gramíneas – Ca(cbpd) + (Rc) Podem ser usadas também para culturas semi-perenes (Csp) e culturas perenes (Cp). Recomenda-se, nesses casos, um controle rígido dos defensivos agrícolas utilizados Áreas adequadas para cultivo anual com adoção do sistema de controle biológico de pragas e doenças – Ca(cbpd) integrado com pastagem plantada (Pp) ou sistema integrado lavoura/pecuária (Ilp), além de outros que minimizem a entrada de insumos agrícolas |
|
Latossolos Vermelhos Acriférricos (LVwf) |
2(b)c |
||||
Latossolos Vermelhos Distroférricos (LVdf) |
2bc |
||||
Basaltos (Formação Serra Geral) + Arenitos (Formação Botucatu) em menor proporção |
Latossolos Vermelho-Amarelos Distróficos/álicos argilosos (LVAdb/ab) |
||||
Basaltos (Formação Serra Geral) + Arenitos (Formação Botucatu) em proporções semelhantes |
Latossolos Vermelhos Distróficos/álicos psamíticos (LVdq/aq) |
||||
Basaltos (Formação Serra Geral) |
Nitossolos Vermelhos Eutroférricos (NVef) |
2b(c) |
Muito baixa / Baixa |
Áreas adequadas para atividades de olericultura e agricultura de subsistência – (Ol) + (As) |
|
Basaltos (Formação Serra Geral) |
Neossolos Litólicos Eutróficos/distróficos (RLe/d) |
6ff |
Nula / Muito baixa |
Áreas frágeis, adequadas para cobertura de vegetação natural, devido às fortíssimas restrições ao uso agrícola impostas pelo solo e relevo. Nesse caso, devem ser indicadas para a preservação da fauna e flora (APP) |
|
Material detrito-laterítico retrabalhado (TQdl) |
Gleissolos Háplicos (Gxa/d) |
6FF |
Alta / Muito alta |
Áreas frágeis, protegidas por lei, que devem ser indicadas para proteção da fauna e flora. Enquadram-se, nessa categoria, as Áreas de Preservação Permanente (APP). Ex.: mata ciliar, nascentes, escarpas, dentre outras |
|
Arenito (Formação Botucatu) |
Neossolo Quartzarênico (RQoa/d) |
5(n) |
Alta |
Áreas adequadas para cobertura de vegetação natural de porte médio (típica do ambiente intermediário das vertentes) integrado com pastagem natural – (APP) + (Pn) |
(1) 1Bc – Grupo 1, terras com aptidão boa para lavouras no nível de manejo B e regular no nível de manejo C; 2(b)c – Grupo 2, terras com aptidão restrita para lavouras no nível de manejo B e regular no nível de manejo C; 2bc – Grupo 2, terras com aptidão regular para lavouras nos níveis de manejo B e C; 2b(c) – Grupo 2, terras com aptidão agrícola regular para lavouras no nível de manejo B e restrita no nível de manejo C; 5(n) – Grupo 5, terras com aptidão agrícola restrita para pastagem natural; 6ff – Grupo 6, terras sem aptidão ao uso agrícola, com fortíssima restrição agroambiental, indicadas para preservação da fauna e flora; 6FF – Grupo 6, terras sem aptidão ao uso agrícola, protegidas por lei, indicadas para preservação da fauna e flora.
(2) nula (0% exposição ao risco de contaminação do lençol freático ou o nível de base do curso d’água); muito baixa (0% a 10%); baixa (10% – 20%); média (20% – 40%); alta (40% – 60%); muito alta (> 60%).
Fonte: Embrapa (2006b).
Tabela 3. Proposta de ordenamento agroambiental a partir da integração aptidão agrícola versus vulnerabilidade natural dos solos das nascentes do Rio Araguaia, GO/MT.
Material de origem (geologia) |
Classe de solo |
Aptidão agrícola(1) (níveis de manejo B e C) |
Vulnerabilidade(2) |
Ordenamento agroambiental |
|
Basalts (Formação Serra Geral) + arenitos da Formação Bauru |
Latossolos Vermelhos Distróficos típicos (LVd) |
1bC |
Muito baixa / Baixa |
Áreas adequadas para cultivo anual com adoção do sistema de controle biológico de pragas e doenças (cbpd). Recomenda-se cultivo com alternância ou rotação de espécies leguminosas e gramíneas – Ca(cbpd) + (Rc) Podem ser usadas também para culturas semi-perenes (Csp) e culturas perenes (Cp). Recomenda-se, nesses casos, um controle rígido dos defensivos agrícolas utilizados |
|
Basaltos (Formação Serra Geral) + arenitos e calcáriosda Formação Bauru |
Latossolos Vermelhos Ácricos típicos (LVw) |
2(b)c |
|||
Basaltos (Formação Serra Geral) + arenitos da Formação Botucatu |
Latossolos Vermelho-Amarelos Distróficos psamíticos (LVAdq) |
2bc |
Média / Alta |
Áreas adequadas para cultivo anual com adoção do sistema de controle biológico de pragas e doenças – Ca(cbpd) – integrado com pastagem plantada (Pp) ou sistema integrado lavoura/pecuária (Ilp), além de outros que minimizem a entrada de insumos agrícolas |
|
Basaltos (Formação Serra Geral) |
Plintossolos Pétricos Concrecionários distróficos |
6FF |
Nula / Muito baixa |
Áreas frágeis, protegidas por lei, que devem ser indicadas para proteção da fauna e flora. Enquadram-se nessa categoria as Áreas de Preservação Permanente (APP). Ex.: mata ciliar, nascentes, escarpas, dentre outras |
|
Arenito (Formação Botucatu) |
Neossolos Flúvicos Psamíticos (RUq) |
Alta / Muito alta |
|||
Arenito (Formação Botucatu) |
Neossolos Quartzarênicos (RQoa/d) |
5(n) |
Alta |
Áreas frágeis, protegidas por lei, que devem ser indicadas para proteção da fauna e flora. Enquadram-se nessa categoria as Áreas de Preservação Permanente (APP). Ex.: mata ciliar, nascentes, escarpas, dentre outras |
(1) 1bC – Grupo 1, terras com aptidão agrícola regular para lavouras no nível de manejo B e boa no nível de manejo C; 2(b)c – Grupo 2, terras com aptidão restrita para lavouras no nível de manejo B e regular no nível C; 2bc – Grupo 2, terras com aptidão agrícola regular para lavouras nos níveis de manejo B e C; 6FF– Grupo 6, terras sem aptidão ao uso agrícola, protegidas por lei, indicadas para preservação da fauna e flora; 5(n) – Grupo 5, terras com aptidão agrícola restrita para pastagem natural.
(2) nula (0% exposição ao risco de contaminação do lençol freático ou o nível de base do curso d’água); muito baixa ( 0% a 10% ); baixa ( 10% – 20%); média ( 20% – 40%); alta (40% – 60%); muito alta ( > 60%).
Fonte: Embrapa (2006a).
Figura 4. Ordenamento agroambiental da Microbacia do Córrego do Espraiado, região de Ribeirão Preto, SP.
Figura 5. Proposta de ordenamento agroambiental para a região das nascentes do Rio Araguaia, MT/GO.
Fonte: Marco Antonio Ferreira Gomes (adaptado de MC Geologia e Meio Ambiente, 2005, citado por EMBRAPA, 2006a).
A proposta de ordenamento agroambiental para as áreas de recarga do Aquífero Guarani em território brasileiro tem por objetivo dar subsídios a diversas ações voltadas para a sustentabilidade de áreas frágeis ou de alta vulnerabilidade natural. Os mapas contidos nas Figuras 4 e 5 dão uma boa visão de como usar racionalmente áreas com essas características, servindo de subsídios para a elaboração de um documento orientador, com vistas à formulação de políticas públicas para essas áreas, dentro de um conjunto de medidas que inclui as Boas Práticas Agrícolas, ajustadas para cada domínio pedomorfoagroclimático.
Nesse contexto, a presente proposta visa também contribuir para o Programa de Zoneamento Ecológico-Econômico do Ministério do Meio Ambiente, dentro do escopo de racionalização da ocupação do espaço territorial e do re-direcionamento das atividades, convergindo assim para o ordenamento agroambiental ora proposto.
Em síntese, espera-se que o presente trabalho possa, efetivamente, contribuir com o processo de gestão sustentável do Aquífero Guarani, considerando as atividades em suas áreas de afloramento no Brasil.
ARAÚJO, L. M.; FRANÇA, A. B.; POTTER, P. E. Aqüífero gigante do Mercosul no Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai: mapas hidrogeológicos das formações Botucatu, Pirambóia, Rosário do Sul, Buena Vista, Misiones e Tacuarembó. Curitiba: UFPR: Petrobrás, 1995. 16 p. (9 mapas).
Becker, B. K.; Egler, C. A. G. Detalhamento da metodologia para execução do zoneamento ecológico-econômico pelos estados da Amazônia Legal. Brasília, DF: SAE-MMA 1997. 43 p.
EMBRAPA. Centro Nacional de Pesquisa de Solos. Manual de métodos de análise de solos. 2. ed.. Rio de Janeiro: Embrapa-CNPS, 1997. 212 p. (Embrapa-CNPS. Documentos, 1).
EMBRAPA. Impacto ambiental e implicações sócio-econômicas da agricultura intensiva em água subterrânea. Jaguariuna: Embrapa Meio Ambiente, 1999. 43 p. (Relatório técnico).
EMBRAPA. Manejo agro-ecológico das áreas de recarga do Aquífero Guarani na região das nascentes do rio Araguaia, GO/MT. Jaguariuna: Embrapa Meio Ambiente, 2006a. 18 p. (Relatório técnico).
EMBRAPA. Proposta de ordenamento agroambiental das áreas de recarga do Aquífero Guarani: estudo de caos nos estados de São Paulo e Rio Grande do Sul. Jaguariuna: Embrapa Meio Ambiente, 2006b. 10 p. (Relatório técnico).
EMBRAPA. Uso agrícola das áreas de afloramento do Aquífero Guarani e implicações na qualidade da água subterrânea. Jaguariuna: Embrapa Meio Ambiente, 2002. 32 p. (Relatório técnico).
FERNANDES, C. E. M. Fundamentos de prospecção geofísica. Rio de Janeiro: Interciência, 1984. 190 p.
FIGUEIREDO, E. O.; ASSIS, L. D.; COSTA, J.; RECCO, R. D. Proposta metodológica para o zoneamento florestal pós-estratificado. Rio Branco: Embrapa Acre, 2000. 17 p. (Embrapa Acre. Documentos, 54).
FOSTER, S.; HIRATA, R. Determinação de risco de contaminação das águas subterrâneas. Um método baseado em dados existentes. São Paulo: Instituto Geológico, 1993. 92 p. (Instituto Geológico. Boletim, 10).
FRANQUIN, P.; FOREST, F. Des programmes d’évaluation et analyse frequentielles des termes du balance hydrique. L’agronomie Tropicale, v. 32, n. 1, p. 1-22, 1984.
GOMES, M. A. F.; SPADOTTO, C. A.; PESSOA, M. C. P. Y. Avaliação da vulnerabilidade natural do solo em áreas agrícolas: subsídio à avaliação do risco de contaminação do lençol freático por agroquímicos. Pesticidas; Revista de Ecotoxicologia e Meio Ambiente, Curitiba, v. 12, p. 169-179, 2002a.
GOMES, M. A. F.; FILIZOLA, H. F.; SPADOTTO, C. A. Uso agrícola das áreas de recarga do Aquífero Guarani e implicações na qualidade da água subterrânea. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE SOJA E MERCOSOJA, 2., 2002, Londrina. Anais... Londrina: Embrapa Soja, 2002b. p. 36-42.
GOMES, M. A. F.; NEVES, M. C.; SPADOTTO, C. A.; LUIZ, A..J. B. Mapeamento expedito dos potenciais de infiltração e de escoamento superficial da água para os solos da microbacia do Córrego do Espraiado em Ribeirão Preto-SP. In: CONGRESSO LATINO-AMERICANO DE CIÊNCIA DO SOLO, 13., 1996, Águas de Lindóia. Anais... Piracicaba: SBCS: ESALQ, 1996. 4 p. 1 CD-ROM.
GUSTAFSON, D. I. Groundwater ubiquity score: a simple method for assessing pesticide leachability. Environmental Toxicology and Chemistry, Elmsford, v. 8, n. 4, p. 339-357, 1989.
INSTITUTO DE PESQUISA TECNOLÓGICA. Caracterização do potencial de contaminação das águas subterrâneas por agroquímicos: hidrogeologia da microbacia. São Paulo,1994. 33 p. (Relatório n. 32309).
KRAMER, P. J. Plant and soil water relationships: a modern synthesis. New York. McGraw-Hill, 1969. 482 p.
LESPCH, I. F.; BELLINAZI JÚNIOR, R.; BERTOLINI, D.; ESPINDOLA, C. R. Manual para levantamento utilitário do meio físico e classificação de terras no sistema de capacidade de uso.2. ed. Campinas: Sociedade Brasileira de Ciencia do Solo, 1991. 175 p. 4ª aproximação do manual brasileiro para levantamento da capacidade de uso da terra.
NOFZIGER, D. L.; HORNSBY, A. G. CMLS-94: chemical movement in layered soils. Oklahoma: University of Florida, Department of Agronomy, 1994. 76 p.
PEREIRA, L. C. Aptidão agrícola das terras e sensibilidade ambiental: proposta metodológica. 2002. 122 p. Tese (Doutorado em Planejamento e Desenvolvimento Rural Sustentável) - Faculdade de Engenharia Agrícola, Universidade Estadual de Campinas, Campinas.
RAMALHO FILHO, A.; PEREIRA, E. G.; BEEK, K. J. Sistema de avaliação da aptidão agrícola das terras. Rio de Janeiro: Embrapa-CNPS, 1995. 65 p.
RIBEIRO, M. A. Zoneamento ambiental. Belo Horizonte: IGA-CETEC-MG, 1994. 21 p.
ROCHA, G. A. Mega reservatório de água subterrânea do Cone Sul: bases para uma política de desenvolvimento e gestão. Curitiba: UFPR-IDRC, 1996. 25 p.
SÃO PAULO. Secretaria de Energia e Saneamento. Departamento de Águas e Energia Elétrica. Controle de erosão: bases conceituais e técnicas, diretrizes para o planejamento urbano e regional, orientações para o controle de boçorocas urbanas. São Paulo: DAEE-IPT, 1989. 92 p.